Emil Nolde - Landscape in Red Light
“Também não tomarás presente: porque o presente cega os que o vêem, e
perverte os negócios dos justos” (Êxodo 23:8). Eis um conselho para todos os
tempos e não apenas uma ordem de Deus para Israel, o seu povo. No centro da
palavra divina, não está a corrupção. Ela é apenas periférica. A ideia central
é outra: o presente cega os que o vêem. Mas o que significará tal cegueira? Há
por detrás da construção bíblica toda uma metafórica da luz. O presente, no
excesso da sua luz, como o Sol, acaba por cegar.
Ora a cegueira não é a dos olhos, mas a da luz da razão. Esta
inclina-se para aquilo que brilha e, por esse excesso de luz, a dissolve, como
a luz de uma lâmpada é dissolvida pela luz do dia. A dissolução da luz da razão
que o presente – e aqui presente é sempre algo que se torna presente – traz
consigo implica a entrada na esfera de uma economia do dom; a um presente
recebido corresponde um presente a dar. É nesta troca, onde a razão se inclina
e dissolve, que se inscreve a perversão da justiça.
O que o texto bíblico nos mostra é que a perversão dos costumes nasce
de uma perversão da razão. Este é o princípio do mal. Mas como é a razão
concebida na passagem citada? Como frágil. A metáfora da cegueira, o negativo
da metáfora da luz, mostra a razão na sua fragilidade e, por isso, susceptível
de corrupção. Contra isso, apenas o imperativo divino “também não tomarás
presente”. Este imperativo divino é, porém, toda a lei, a de Deus e dos homens.
Numa curta frase encontramos quase toda a filosofia moral kantiana. Mas só a
vemos, porque Kant a trouxe à luz e soube ver a estrutura racional sob as
imagens religiosas. (averomundo,
2007/05/16)
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