Ángel Orcajo - Entre el espacio y el tiempo (1989-90)
Houve um tempo em que gostaria de estar à frente do tempo, descobrir o
inédito onde poucos o tinham visto. Amava a vanguarda, esse símbolo moderno do
provir, e as suas rupturas, como se isso fosse o verdadeiro sentido da vida.
Como, hoje em dia, essas levianas pretensões me parecem nefastas, sintomas de
uma moléstia pouco digna de consideração. Mesmo uma educação tradicional centra
a criança na voragem do futuro.
Nesse tempo também havia os que amavam o passado. Amavam-no como se
ele fosse o modelo ideal de toda existência. Na verdade, esse amor não era mais
que uma fixação infantil ou uma reacção contra exuberância da vida. É preciso
ser absolutamente indigente ou incomensuravelmente rico para que o amor pelo
passado seja um sentimento desinteressado e não apenas um culto reactivo, uma
experiência do ressentimento, uma revolta contra a vida.
Mas o dilema entre passado e futuro é um falso dilema. E esta
falsidade não se deve ao facto de o presente ser uma terceira alternativa. Ser
anacrónico é a esperança dos que não cultuam o futuro nem o passado, tão pouco
o presente. Pertencer a todos os tempos e a nenhum. Instalar-se na Grécia e de
seguida na Renascença. Passear-se por Roma, para logo caminhar em Konigsberg e,
boquiaberto, ver o professor Kant na pontualidade dos seus passeios. Em todos
os tempos, ser estrangeiro e estar neste tempo como se a ele não pertencesse.
Quando falam em utopias os intestinos revolvem-se-me. Recusar o espaço
é o pecado maior, é recusar o corpo, os corpos que amámos, os lugares que nos
acolheram. O tempo, porém, é um déspota implacável que a cada instante nos
pontapeia, como se exibisse uma ordem de expulsão nunca completamente cumprida.
O tempo expulsa-nos do espaço, rouba-nos os corpos amados, descorporaliza-nos.
O tempo é o verdadeiro significado da utopia. Em vez da utopia a ucronia.
Melhor, a anacronia. Ser anacrónico e nada mais do que anacrónico. Quanto tempo
demorará a viagem para o não-tempo? (averomundo,
2007/05/24)
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