Eugène Delacrroix - Liberdade conduzindo o povo (1830)
“Seis dias farás teus negócios, mas ao sétimo dia descansarás: para
que descanse teu boi e teu asno; e o filho da tua serva, e o estrangeiro tome
refrigério” (Êxodo 23:12). Este versículo 12 do capítulo 23 do segundo livro do
pentateuco é uma curiosa e arcaica formulação de respeito pela natureza, animal
e humana. A curiosidade reside na justificação dada para o descanso do sétimo
dia. A necessidade de toda a natureza repousar. Se olharmos atentamente para a
construção do discurso bíblico, descobrimos uma resposta para a seguinte
pergunta: para que serve toda aquela narrativa sobre a criação do mundo em seis
dias e o descanso de Deus no sétimo? Serve, entre outras coisas, para legitimar
o descanso dos homens. Se Deus descansou ao sétimo dia, então ao homem compete
fazer o mesmo.
Isto mostra que o problema do tempo de trabalho deveria ser já,
naqueles tempos, objecto de apaixonadas e discordantes posições. Haveria,
certamente, os “economistas” de serviço a recomendar que não se desperdiçasse
tempo fora do labor. O Êxodo mostra-se, assim, um texto emancipatório e
libertador, contrariamente ao que muitos gostam, por preguiça ou preconceito,
de pensar. Advoga, contrariamente ao espírito burguês, um direito, de carácter
divino, a nada fazer. Aliás, este livro bíblico começa com uma das primeiras
grandes gestas emancipatórias da humanidade, a libertação do povo de Deus da
escravatura no Egipto. No versículo 9 deste mesmo capítulo, está escrito:
“Também não oprimirás o estrangeiro; pois vós conheceis a alma do estrangeiro,
que fostes estrangeiro na terra do Egipto.” Encontramos a mesma ideia no
versículo 21 do capítulo 22.
A doutrina social da Igreja Católica não é um acrescento estranho aos
textos do Antigo e do Novo Testamento. Pelo contrário, é a sua emanação, uma
combinação de emancipação das opressões terrestres e uma libertação das ilusões
do espírito.
Nota final: observe-se bem o quadro de Delacroix e leia-se a descrição
da fuga do povo de Israel do Egipto, quando as águas se abriram. (averomundo, 2007/05/16)
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