Neste trabalho do Público (ler aqui e aqui) sobre a indisciplina na escola portuguesa é dito por Filinto Lima que as aulas expositivas, ainda muito correntes em Portugal, potenciam a indisciplina. Em tese, e tendo em conta a realidade dos alunos, estou de acordo. Contudo, as aulas expositivas são apenas a face visível de um problema muito mais profundo. Acusar as aulas expositivas parece-me ser análogo a culpar as dores de matarem uma pessoa atingida por cancro. As aulas expositivas - ou o debitar da matéria como é dito - são o resultado e a exigência do próprio sistema educativo. Elas não são apenas o fruto do conservadorismo docente ou o resultado de um amor excessivo do professor por se ouvir.
Tudo no sistema educativo conflui para as práticas docentes baseadas na exposição. Observem-se as salas de aula. Estão organizadas, genericamente, para aulas expositivas. Toda a estrutura da sala de aula implica um actor que fala para uma plateia, a qual está racionalmente organizada para tornar mais eficaz esse exercício de prelecção. As salas de aula, na sua configuração, não mudaram desde o tempo longínquo, tão longínquo que nem já se tem memória, em que os alunos, uma pequeníssima elite, estavam dispostos a escutar respeitosamente o discurso magistral. Foram e estão a ser feitas escolas novas, mas o modelo da sala de aula mantém-se inalterado. As novas salas de aula, que têm custados muitos milhões de euros ao erário público, estão organizadas para aulas expositivas.
As salas de aula são apenas o aspecto mais visível do problema. Os programas, apesar da retórica pedagógica com que são infestados, impõem, devido à sua estrutura e dimensão (muitos programas são uma espécie de curso universitário em abregé), práticas lectivas duramente expositivas. Organizar o trabalho lectivo de uma forma onde os alunos fossem mais autónomos e desenvolvessem competências cognitivas e práticas estruturantes implica tempo. Como os programas - tomados como listas de conteúdos a transmitir - têm de ser cumpridos e as suas dimensão são tresloucadas, a aula expositiva não é apenas o recurso do conservadorismo docente. É uma exigência do próprio ministério.
O terceiro factor ligado à aula expositiva está nos exames. Não neles em si mesmos, mas na amplitude do currículo que pretendem avaliar. Os exames reforçam a necessidade de cumprir a grande velocidade os programas. O tempo necessário para outro tipo de aulas, para experiências inovadoras e consolidação de conhecimentos e de competências cognitivas é inexistente. Resta o recurso à explicação das matérias. Reforço que um exame, uma prova de avaliação externa, não tem de ser obrigatoriamente um indutor de práticas escolares expositivas, mas tal como estão estruturados e organizados em torno dos programas, eles não apenas reforçam essas práticas como acabam por exigi-las.
Poder-se-ia ainda falar na formação docente e no número de alunos por turma, um factor importante na possibilidade de controlar a indisciplina e de encontrar espaço para práticas educativas não expositivas. Estes factores são tão importantes quanto os referidos anteriormente. A educação há muitos anos sofre de uma espécie de esquizofrenia. Esta deve-se à cisão entre a ideologia que dá forma à modelação que a tutela faz do que devem ser as práticas lectivas e as condições materiais que ela própria cria. Elas são incompatíveis, como a generalidade dos professores sabe por experiência própria. E como é que a tutela espera resolver o assunto? Esperando que as escolas e os professores resolvam uma situação que eles não criaram e para cujo resolução não têm quaisquer poderes. Não, as aulas expositivas não são o problema. Elas são apenas o sintoma da doença mental que acomete a política educativa do país há décadas.
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