domingo, 7 de junho de 2020

A falta de comparência nas Presidenciais


Tornou-se um hábito nacional a inexistência de um candidato forte que se oponha à reeleição dos Presidentes da República em exercício. A única excepção é a de 1980 em que Ramalho Eanes enfrentou Soares Carneiro. Nem a candidatura de Manuel Alegre contra Cavaco Silva, aquando da reeleição deste, pode ser considerada como uma aposta forte do centro-esquerda na corrida a Belém. Na prática, o que se passa em Portugal é que um Presidente é eleito por 10 anos.

Se exceptuarmos o caso de Ramalho Eanes, que foi reeleito num tempo em que a democracia portuguesa ainda procurava encontrar o seu caminho, os outros presidentes – Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa – esforçaram-se por liquidar, durante o primeiro mandato, a possibilidade de emergir um concorrente sério que lhe pusesse em causa a reeleição. Todavia isto não se deve apenas ao talento político daqueles que ocupam o palácio de Belém, mas é potenciado pelo cálculo e cobardia política do centro.

Do centro-direita, como no caso das reeleições de Mário Soares e de Jorge Sampaio. Do centro-esquerda, como no caso da reeleição de Cavaco Silva. Os partidos no poder mesmo que não simpatizem com a personagem política que ocupa a Presidência, evitam ser confrontados com uma ampla derrota eleitoral. Pensam que lhes será mais favorável fingir que estão deslumbrados com o exercício político do Presidente. Por norma, essa ficção tem um preço que o Presidente reeleito não deixará de cobrar. A questão, todavia, ultrapassa o jogo partidário e põem causa a própria democracia.

É inadmissível que de dez em dez anos uma parte perca por falta de comparência, que não ofereça uma alternativa credível ao ocupante de Belém, mesmo correndo o risco de uma derrota severa. É inadmissível que parte significativa do eleitorado – ora de direita, ora de esquerda – não se sinta confortável com as escolhas eleitorais que lhe são apresentadas. Isso não dá saúde à democracia e permite que fenómenos marginais ganhem terreno nas presidenciais para se afirmarem na sociedade.

António Costa e os socialistas podem ter imaginado muitos cenários favoráveis para lidar com um Marcelo Rebelo de Sousa de mãos livres. Isso não os exime, caso o apoiem ou caso não exista no centro-esquerda uma alternativa séria, da responsabilidade de contribuírem para a degradação da democracia e da própria Presidência da República. A democracia faz-se de alternativas fortes e de disputa eleitoral. Não de cálculos e conveniências partidárias sobre o que é melhor para quem está no governo.

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