sábado, 22 de outubro de 2022

Um descalabro


O Público do passado domingo trazia um artigo sobre um dos problemas fundamentais para o país. Os estudantes que entram no ensino superior estão a deixar vazios cursos que são estratégicos para o nosso futuro. Segundo responsáveis pelo sector, referidos pelo jornal, isso dever-se-á às dificuldades sentidas perante a Matemática e a fuga à Física. O problema que se deve colocar é por que razão a Matemática e Física continuam a meter medo. O principal foco de explicação deve ser encontrado no sistema de ensino português e na revolução que vem a decorrer desde que os socialistas, em 2015, chegaram ao poder, e cujo timoneiro é o ministro João Costa.

A partir do início dos anos dois mil tinha-se percebido que algumas das ideias mais generosas e emblemáticas da chamada Reforma Roberto Carneiro não funcionavam. Vários governos, de diferentes orientações, começaram a centrar-se no que era fundamental, as aprendizagens consolidadas e na necessidade de prestações de provas, que tornasse evidente se essas aprendizagens eram ou não feitas. Para além dos exames do ensino secundário, já existentes, foram introduzidas as provas finais do 9.º ano, em Português e Matemática, e, num segundo momento, provas finais, nas mesmas áreas disciplinares, nos 4.º e 6.º anos. O sistema de ensino tinha encontrado um objectivo claro. A expectativa seria a de um paulatino alargamento das disciplinas em que os alunos viessem a ser chamados a prestar provas, e com eles as escolas e os seus projectos educativos.

O que se passou foi exactamente o contrário. As provas do 4.º e 6.º anos desapareceram. As do 9.º estiveram suspensas durante a pandemia e nada garante que não desapareçam. Os próprios exames nacionais parecem deslizar para se tornarem apenas provas de ingresso no ensino superior. Depois, as provas de exame apresentam critérios de classificação cada vez menos exigentes. Um exemplo na disciplina que lecciono. Em 2015, num exame de Filosofia uma questão de escolha-múltipla valia 5 pontos. Um texto argumentativo, a mais alta competência trabalhada na disciplina, valia 30 pontos. Em 2022, as questões de escolha-múltipla valiam 11 pontos e o texto argumentativo, 14. Isto diz tudo. As escolas são hoje em dia barcos à deriva, onde o saber disciplinar é desvalorizado, onde aquilo que é marginal se tornou importante. O tempo, sempre escasso para o ensino das disciplinas, é ocupado com actividades que pouco ou nada acrescentam na formação dos alunos. Não admira que as novas gerações, assim preparadas para o que é fácil, fujam da Matemática e da Física, fujam de tudo o que é difícil.

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