sábado, 25 de novembro de 2023

Leggio VI

Oscar Bluemner, Paterson Centre (Expression of a Silktown), 1914-15

Tudo tão distante se tornou, as casas, as silhuetas,

as ruas espinhadas de gente. Roncos de máquinas,

motorizados e frementes, tudo tão distante se tornou,

as praças abertas para o rio, o vento, o vento as traz

consigo, ao bater nos telhados. Ressoa um cântico,

horas que ao silvar longe se ouvem presas na solidão.

 

Em cadência imprecisa deixo os olhos vogar entre

ruas e avenidas e espero a súbita sombra que a luz,

ao morrer, em canto incerto faz cair. Abandonados,

entre quintais vis e esfacelados, muros cobrem-se

de ervas, memória da terra a germinar na cidade.

No céu, um tremor de nuvens, astros, o sol a cintilar.

 

As vozes sumidas entram pelas casas e escondem

o nada que as inflama. Tão cansadas, falam como se

a um deus orassem e nada dizem, e nada ouvem, vozes,

ecos, o tempo as esqueceu, debruadas de silêncio,

gradadas ervas sujeitas ao mar. Quando subo, de gente

mirram as colinas, moinhos à espreita de um vendaval.

 

A distância aumenta, se as ruas em desvario corro,

e há homens e mulheres afadigados entre hotéis

vazios e jardins fanados, castanheiros de úlceras

cobertos. Nas estradas, pombos, gatos alados, as

vísceras às varejeiras oferecem. Noite, tudo se cerra.

Se alguém fala, é na cidade a voz vinda com o vento.


(2006)
 

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