quinta-feira, 2 de novembro de 2023

O paradoxo em que vivemos


Em 1992, Francis Fukuyama, ao publicar The End of History and the Last Man, gerou uma enorme controvérsia e o seu argumento sobre o fim da História foi ridicularizado. Todavia, Fukuyama não defendeu que a partir daquela altura, o pós-Queda do Muro de Berlim, deixaria de haver transformações nas sociedades e que o mundo se imobilizaria para eternidade. Sublinhou, apenas, que a democracia liberal é o melhor regime político que é possível imaginar e que, numa perspectiva evolucionista da História, todas as nações, mais tarde ou mais cedo, acabarão por se tornar democracias liberais. Podemos discordar, e haverá boas razões para isso, que possamos interpretar a História de uma forma evolucionista. Porém, será difícil, se não impossível, imaginar um melhor regime político do que a democracia liberal, com a sua preocupação com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Poder-se-á perguntar por que o desenrolar da história do mundo, nos últimos quarenta anos, nos parece afastar desse desiderato de ir vendo crescer o número de democracias liberais pelo mundo. Pelo contrário, tem havido, um pouco por todo o lado, regressão e perda de poder de atracção da democracia liberal. Ora, aquilo que reforçou a crença de Fukuyama no triunfo da democracia liberal é também o motivo que está por detrás do seu actual retrocesso. As democracias liberais floresceram no conflito contra os regimes comunistas. Num mundo bipolarizado, com fronteiras quase fixas, as pessoas sentiam-se atraídas pelo mundo aberto dos regimes democráticos. A derrocada do bloco soviético gerou a crença optimista na vitória das democracias.

Não se percebeu, na altura, que a Queda do Muro de Berlim não era apenas o fim do comunismo, mas também o fim de uma ordem internacional nascida no rescaldo da segunda guerra mundial, onde as fronteiras pareciam fixadas para sempre. O fim da rigidez das fronteiras acordou o espírito nacionalista um pouco por todo o lado. Lentamente, a afirmação nacional começou a preencher, no imaginário de muita gente, o lugar da democracia liberal. Em vez de liberdades individuais, passou-se a querer um Estado nacional, um Estado nacional cada vez mais forte, para chegarmos ao momento em que se quer um Estado nacional mais amplo, com a conquista de territórios de outras nações e a redefinição dos mapas. É aqui que estamos, com parte do mundo em chamas. Há em tudo isto um paradoxo. As democracias liberais precisam de Estados-nação para existirem, mas o exacerbamento do nacionalismo corrompe o espírito liberal e destrói a democracia. Como complemento, o nacionalismo ainda tem a guerra para oferecer como prémio.


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