sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Morrer a rir

 

Comecemos com um extracto de uma canção de Bob Dylan, If your time to you is worth savin' / And you better start swimmin' / Or you'll sink like a stone / For the times they are a-changin'. Pensámos viver no melhor dos mundos possíveis. A União Europeia era um oásis, onde a democracia e o Estado de direito davam uma sensação de segurança e de felicidade. Havia, claro, o mundo exterior, mas esse mundo mergulhado na imperfeição olhava a experiência europeia com inveja e vontade de emulação. Lentamente, a princípio sem que se desse por isso, as coisas começaram a mudar. Os europeus perderam a fé no seu destino e uma doença maligna foi crescendo aqui e ali. O velho vírus nacionalista, adormecido durante décadas, acordou e começou a instalar-se no coração das pessoas. Partidos da extrema-direita ganharam dimensão, aproximam-se ou já estão no poder.

Fora das fronteiras europeias, a admiração e o desejo de nos copiar morreram. Também aí o vírus nacionalista se expandiu e ocupou o poder, seduzindo as pessoas com mitologias tresloucadas. Combate-se na Europa, no Médio-Oriente. África é sempre um terreno propício para a guerra. Contudo, o mais significativo é aquilo que se passa nas Américas. Tivemos a experiência de Trump nos Estados Unidos e de Bolsonaro na Brasil. Agora, a Argentina descobriu Javier Milei e não hesitou em torná-lo presidente do país. Tudo parece apontar para que Trump volte e o Brasil poderá, no pós-Lula, ter alguém do calibre de Bolsonaro. A Itália é governada pela extrema-direita, a França prepara-se para vir a sê-lo. Pedro Sanchez, em Espanha, para evitar a presença da extrema-direita na governação (e, fundamentalmente, para se manter no poder) vendeu a alma a Deus e ao diabo, mas é uma questão de tempo.

O facto de um conjunto de personagens absurdas estarem a chegar ao poder é resultado das imensas brechas que tomaram conta das velhas instituições. Trump, Bolsonaro, Milei, Le Pen, etc., etc. não representam a aurora de um mundo novo, de uma nova configuração da paisagem civilizacional do planeta. São as ruínas vivas de um mundo que está a acabar. É sintomático que esse mundo, que um dia pareceu sólido e inamovível, esteja a morrer num espectáculo burlesco, coberto de ridículo, onde os eleitores elegem para governantes autênticas caricaturas. Sim, os tempos estão a mudar, como canta Dylan, o melhor é começar a nadar para não nos afogarmos como uma pedra num oceano risível. Talvez as pessoas tenham sentido de humor. Já que estão a assistir ao desabamento do seu mundo, o melhor será ter clowns no poder que as façam rir, enquanto se afundam.

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