Georgia O'keeffe, East river from The Shelton, 1928 |
No furúnculo
da luz, na leve sede da melancolia,
existe
um rio esquivo, peixes perdidos
no
lodo, a coincidência da terra e da água,
mundos
de erva erguidos no patíbulo do esquecimento.
Barcos
navegam sob a sombra das ramagens,
cavaleiros
sem nome, presos à caruma das horas,
ao
aroma de cinza de um Verão de palmeiras.
Quando
um rio é navegável, a cabeça dos homens
floresce
entre o pano, o linho suado,
o
triunfo da ardósia solta pelo fervor da ramagem.
Um
rio negro, a chama atiçada na alma,
estende
os dedos sobre os varais do carro,
devora
os canaviais, a vida posta sobre a morte.
Rãs
soltam-se, erguem castelos na água.
Um
peixe voraz assola a cortina da face,
o
vestido vermelho das raparigas de domingo.
Na
cave deste rio existem pontes,
uma
margem estreita sulcada pelas conchas
daquelas
mãos soltas e desertas,
presas
ao vazio de palavras despovoadas de som.
O
rio sobe pela cicatriz orgânica, toca-o a lava
rasgada
no rosto, ergue-o um sabor de cianeto
enrolado
na ambrósia do tempo. Em inúmeras vozes,
abre-se
o rio à palavra, ao labirinto de sangue e sílabas,
corroendo
as veias, as artérias caiadas no barro,
a
poeira fundeada na inóspita caverna da Primavera.
Maio de 1993
[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]
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