Domenico Quaglio, The Younger, View of Frankfurt/Main, 1831 |
Na
cidade, um rio de náuseas,
orquestra
de rãs, flores aquáticas,
jardim
de sombra na luz do coração.
Pulula
nas águas
uma
geração fortuita e sem dinastia,
uma
geração de água colorida,
presa
na sede de um vinho fatal.
Era
um mundo de barcos e âncoras,
uma
saraivada de remos
rompia
a superfície das águas.
Navegavam
homens inexoráveis,
roídos
pelo despeito,
a
dor da vida exígua,
o
enjoo célere da idade.
Pende
o rio sob o coração aprazado,
a
ânsia do astro,
aberto
e cru, ferido no peito.
Um
esgoto ébrio, a céu aberto,
inunda
as casas na brancura do dia,
a
memória dessas casas,
as
janelas pardas de cinza e poeira.
Nos
dias do equinócio,
vinha
o curso tenso do rio
desempatar
o dia e a noite,
abrir
a clareira do mundo,
eterna
revolução de luz e trevas.
É
um rio equinocial,
preso
na órbita elíptica da terra.
Perante
o suor do homem,
arvora
a água escura,
peixes
com travo químico,
o
olhar de hidrogénio adormecido,
promessas
de mercúrio
erguidas
na novidade mortal.
Rio
de letras, sílabas desaguadas
ferem
o coração da mão que escreve.
Rio
desamparado,
caído
do braço armado do livro.
Rio
sem margens,
suspenso
do voo do corvo,
sem
choupos, sem salgueiros,
sem
o verde dos campos no horizonte.
Rio
animal que se prende
à
luz desta língua e sobrevive,
abre-se
à voragem
da
noite suspensa sobre a cabeça.
É
um cutelo abrindo a paisagem,
desbrava
a cal e a pedra.
Adormece
na seda do estuário.
Abril de 1993
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.