sábado, 25 de maio de 2024

Poemas fluviais 3



Adormecem peixes na lama do rio

e nos cabelos das mulheres

suspendem-se as folhas

gastas pelo o Outono,

o pântano de cinza ao entardecer.

 

O rio era mundo exíguo,

preso entre quintais,

a roupa pendurada no vento,

a voz arrastada pelas pedras.

 

Nas tardes de sábado,

era um tanque,

a água pelas coxas,

as mulheres abertas

na leveza da corrente.

 

Na placenta aquática,

gerava-se um mundo de rosas

tecidas no azedume do barro,

uivos desfolhados

na negra nave da noite.

 

Quando era o tempo dos barcos,

a água crescia, um cristal

ondulado pelo sopro do vidreiro.

 

As gerações sucediam-se,

cantando canções

à luz do dia,

presas na sombra

dos anos que passam.

 

Sobre a voragem do rio,

um véu de abandono.

 

A água cobriu-se de espasmos

e o azul do céu é um fogo

ateado no umbral

de onde escorre, severo,

o segredo da escuridão.

 

Junho de 1993

[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela

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