Durante muito tempo a clivagem política nas democracias opunha a direita e a esquerda, em que a primeira combinava o conservadorismo nos costumes e o liberalismo na economia, enquanto a segunda era mais liberal nos costumes e mais interventora no domínio económico. Emergiu na Europa – e agora em Portugal – outra clivagem, a qual está a apagar a anterior. Não porque as diferenças entre direita e esquerda tenham desaparecido, mas porque estão a ser ultrapassadas por uma dicotomia muito mais dramática entre aqueles que defendem a democracia e os que a pretendem destruir como caminho para a instauração de um regime autoritário ou, pelo menos, de uma democracia iliberal, isto é, um regime que tem a aparência democrática, mas que subverte as regras da democracia.
A democracia liberal – ou democracia representativa – sempre teve inimigos, tanto à direita como à esquerda. As duas formas mais radicais de contestação da democracia – tanto à direita como à esquerda – coincidiam na negação das liberdades individuais, tanto políticas como civis. Vive-se, nos dias de hoje, um momento de ocaso das esquerdas iliberais e mesmo das esquerdas que, não rejeitando a democracia liberal, gostariam de a superar. A grande ameaça vem, actualmente, das direitas radicais e populistas. Estas, na sua retórica quotidiana, parecem – como é o caso português – estar em guerra com as esquerdas, mas isso é apenas uma máscara. Sabem perfeitamente que as esquerda não têm peso político substancial para ser alternativa de governo. Poderão ser um apoio a governos timidamente socialistas, mas não têm qualquer capacidade para impor uma agenda política que entre em conflito com a democracia liberal.
A retórica anticomunista e anti-socialista da direita radical e populista tem outros objectivos. Visa extremar a sociedade, dividindo-a em dois blocos inimigos, como passo decisivo para a atingir a sua meta, a destruição do regime democrático. O alvo é a democracia liberal e a cultura liberal. A grande divisão política, nos dias de hoje, é entre os que, à esquerda e à direita, defendem uma visão liberal e tolerante da política e da vida social, e aqueles que pretendem destruir essa visão, substituindo-a pelo autoritarismo político e por um feroz controlo social das vidas particulares. Em palavras mais simples, o jogo político trava-se entre os que defendem o regime democrático e aqueles que, aproveitando-se dele, trabalham a cada instante, através de uma falsificação continuada da realidade, para o destruir.
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