Hashim Samarchi, A pálida lua, 1967 (Gulbenkian) |
circunda-o no presságio da luz,
as águas soltas no delírio das
marés.
Sob o clarão, a doçura do sangue
pulsa,
caos no interior litoral da ordem,
fogo ateado na língua vítrea da lua.
Noite dormente, a lividez amarga,
o espinho cravado no rosto lunar.
O uivo silente e curvo desprende-se
da escuridão sideral da eternidade.
Sobre os degraus da casa,
desfazem-se
as sombras, bandos de corvos
repicam,
cantam no bronze verde-azul do
sino.
Uma vida de crateras projectadas
no soalho viscoso, nas vísceras da
terra.
O ceifeiro lunar inicia, em solidão,
o trabalho lexical, semeia letras
de sal
no oceano lavrado da desordem,
sílabas de morte na virtude da
língua.
Pela luz da lua um homem vem à fala.
A boca é um espelho, escarpa coleante,
o eco do animal roubado ao húmus,
ferido pelas glicínias cruas da
noite.
Soa o troar da voz astral, feto
preso
no sangue das artérias, a borracha
tubular de um oxigénio mineral.
Na luz dos olhos, sucumbe a videira
ao canto incendiado do rouxinol.
Esplende a lua uma ciência oculta.
Luz amarela e branca, sazonada
entre as flores da acácia e o odor
do trenó tecido no vidro da
história.
A mão na espada dedilha o roteiro,
a secreção incauta no lodo do silêncio.
Abril de 1993
[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]
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