“A primeira vez que Salústio Nogueira entrou na Câmara dos Deputados, como eleito do povo, foi sob o patrocínio de uma senhora, D. Josefa Lencastre, que, num baile de caridade, no Clube, disse ao ministro da Guerra: Tenho um grande favor a pedir-lhe, general.” Assim começa o segundo romance da Comédia Burguesa, com o título O Salústio Nogueira – Estudo de política contemporânea. A conversa entre a jovem e bela D. Josefa e o ministro da Guerra prossegue, com ela a manipular o delíquio amoroso que habitava o coração do militar. Chegado o momento, ela diz: “Então aí vai o meu pedido: eu quero que o senhor me faça um deputado.” Ao que o General respondeu: “Ora adeus! ... Era isso?! Deputados! ... Faço-lhe dois ... Faço-lhe vinte de uma vez, se Vossa Excelência mo pedir.” E acrescentou: “Faço-lhe um ministro aqui de pronto.”
Será o Portugal
político do século XXI tão diferente daquele que Teixeira de Queiroz descreve? Não
temos Rei, as famílias aristocráticas – D. Josefa Lencastre era sobrinha da
Viscondessa de Águas Santas – são uma relíquia e os generais de hoje estão, por
enquanto, mais distantes da política. Será, porém, o método de produção de
deputados e até de ministros tão diferente? Teixeira de Queiroz, em meia dúzia
de linhas, mostra-nos a íntima relação entre eros e poder, o sistema de cunhas
que domina a vida social portuguesa e a força que sustenta, no nosso país,
aquilo que antigamente se dava o nome de videirinhos. Tudo isto continua vivo e
de boa saúde, embora com outros protagonistas. Não somos nórdicos e a nossa
cultura ancestral é esta. A literatura serve para muitas coisas. Uma delas é
mostrar aquilo que um povo é. Teixeira de Queiroz é um dos que o fez com
talento. Merece que se volte a ele.
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