quarta-feira, 5 de junho de 2024

Poemas fluviais 4

Ignacio Zuloaga y Zabaleta, Paisaje, 1939-1940

Um rio cresce em castelo inexpugnável,

império de lodo sobre o barro,

serpente de geometria variável

a arder no fogo branco de toda a água.

 

Quando pelas manhãs o mundo estremece,

a luz fluvial estreita no seu abraço

a erva fresca, o salgueiro debruçado,

aberto no solstício das margens.

 

Um rio de pescadores sonâmbulos,

acordado pela noite,

pelo correr das gerações, os peixes lívidos

deitados no chão da barcaça.

 

Destilado na tristeza, cresce incógnito,

a alma desolada entre pomares,

grávido de vozes inúteis, sem sol, sem sal

sem uma janela aberta para o mar.

 

Um rio é uma paixão soterrada na memória,

cântico saturado pela resina do tempo,

cuidado por uma lavoura arcaica,

pela bênção de púrpura da estrela da tarde.

 

Cisnes e sombras cruzam as águas

e no rasto da recordação abre-se um sulco,

a constelação embriagada

sobre o instante apresado pela voz.

 

Julho de 1993

[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]

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