domingo, 7 de julho de 2024

Cânticos lunares (ii)

David de Almeida, Lua, 1999 (Gulbenkian)

Ilumina a Terra a Lua Nova.

Os segredos presos ao depósito

das horas gastas

na rasura das ruas.

 

A voz dos gatos na noite,

telhados abertos à visitação,

à súplica feroz dos anos,

aos dias de júbilo.

 

Sob o candelabro lunar,

holocaustos, hecatombes,

o propiciatório desejo de luz,

fogo orgânico no peito.

 

Quando a noite se manifesta,

vem uma víscera delgada,

ponto de vista informe,

a mágoa sem nome do mundo.

 

A Lua, em paciente trabalho,

inunda a cabeça, debrua

a língua pelo som das sílabas,

ergue-se na sintaxe do rancor.

 

As crianças aprendem

o valor fátuo da noite,

a escuridão viva do medo,

o húmus no carvão dos campos.

 

O silêncio ecoa ferido

pela queda da parra,

pelo crepitar da macieira,

os dedos embutidos na garganta.

 

Em toda a Terra é noite.

Uma escuridão de cães a latir,

a faca presa na mão,

a cega luz na cegueira da Lua.


Abril de 1993 

[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]

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