domingo, 21 de julho de 2024

Cânticos lunares (iii)

Hippolyte Flandrin, View of Rome at Night, 1836

Germinava na noite uma mulher,

luz violeta caindo na pedra da pobreza,

a parca flor sedenta.

O tempo da lua é um oiro baço,

a miragem do metal erigida na estátua,

o mármore incompleto da voz.

 

Vibra a cinza do cetim na ogiva da tarde,

a dor resplandecente da maresia.

É o tempo dos senhores, a fundação do mundo,

o trabalho ensanguentado do grão na boca.

Assim vestido, Salomão colhia os lírios

e abria crateras na sombra da Lua.

 

Entre as pernas da mulher,

um orifício lunar, a taça sangrante de luz,

jorro de água na terra arável.

De dia, as mães colavam os lábios

ao vidro das janelas,

e do perfume das bocas nascia uma névoa,

a cortina da noite no globo do mundo.

 

A Lua é um jacto de água,

um sol cansado de olhar a terra.

Pelas suas mãos descem pálpebras,

colinas de feltro na paisagem.

No centro do planeta, no jardim de ferro,

pulsa a voraz a voz de quem escreve,

a substância do mundo insinuada no coração.


Maio de 1993

[Conjunto de cinco poemas pertencentes à série Cânticos da Terra Amarela]

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