No último quartel do século XX foi-se formando a convicção de que o Estado-Nação estaria em declínio irrevogável. A ideia de Estado-Nação teve o seu momento fundador no Tratado de Westfália (1648). A soberania nacional tornou-se o princípio organizador do sistema internacional. O Estado-Nação foi consolidado pelas Revoluções americana e francesa, bem como pelo impacto do Iluminismo. Três ideias centrais estavam ligadas ao Estado-Nação, a de soberania popular, a de cidadania e a de identidade nacional. Ora, o aprofundamento da integração europeia intensificou a retórica do fim do Estado-Nação e, de forma sub-reptícia, acentuou uma orientação federalista, que se realizaria através de pequenos passos. Não querer ver na evolução da União Europeia uma das causas, talvez a fundamental, do crescimento e afirmação da extrema-direita é enfiar a cabeça na areia.
Houve duas coisas que os europeístas não perceberam. A primeira diz respeito ao peso da soberania popular, da cidadania e da identidade nacional na consciência colectiva das velhas comunidades políticas. Foi o Estado-Nação que as trouxe e isso representou um mecanismo de reconhecimento do homem comum, que passou a ter uma voz e uma identidade política clara. Ora, o aprofundamento da União Europeia foi sentido, em muitas camadas da população europeia, como uma operação de destruição das soberanias e identidades nacionais e da própria voz dos cidadãos. A segunda questão está ligada à natureza da extrema-direita, a qual foi percepcionada como a continuação da visão reaccionária daqueles que se opuseram aos valores do Estado-Nação, da Revolução francesa e do Iluminismo, por vezes um misto entre nostálgicos do absolutismo monárquico e das ideias totalitárias do século XX.
O que aconteceu foi que parte dessa extrema-direita tomou como seus os valores da soberania e da identidade nacionais, bem como da cidadania nacional. Enquanto os europeístas trocavam esses valores por valores abstractos, sem história nem relação afectiva com as pessoas, como o da soberania, identidade e cidadania europeias, a extrema-direita fez seus esses velhos valores que, um dia, combateu. Depois, teve ao seu lado a evolução do estado do mundo. A globalização, a crise do subprime e das dívidas soberanas, o problema da imigração e a imposição de uma ordem neoliberal foram adjuvantes que confirmaram, aos olhos de parte significativa dos cidadãos, que os velhos valores que lhes tinham dado voz estavam sob ataque. O resultado é o que se está a ver. Em França, a extrema-direita está às portas do poder. O Estado-Nação revoltou-se.
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