A reivindicação pelo PSD e CDS do mérito pelo actual
desempenho da economia portuguesa é não apenas uma jogada de oportunismo
político mas, o que é pior, um sinal de que a direita ainda vive sob o véu
ideológico que a conduziu nos anos da troika.
Algumas das políticas do governo de Passos Coelho eram inevitáveis devido à
situação em que nos encontrávamos e às exigências dos nossos parceiros. Houve,
contudo, muitas coisas evitáveis e que qualquer governo dotado de bom senso
deveria ter evitado. Era evitável o programa de ir além daquilo que a troika nos impunha. Era evitável a
guerra, por motivos ideológicos, que o governo de então, com Passos Coelho na
vanguarda, decidiu fazer a uma parte substancial do país, às classes populares,
em primeiro lugar, e às classes médias, de seguida.
As políticas do governo suportado pelas esquerdas são muito
diferentes das do governo anterior? Não e sim. A política de contenção dos
gastos, de redução do défice e de cumprimento dos compromissos europeus
continuam a ser aplicadas, até de forma mais eficiente. As políticas de
austeridade, apesar da retórica em contrário, mantêm-se. Mesmo as devoluções de
rendimentos na função pública estão muito longe de serem completas. O que mudou
foi a maneira como o governo olha para o todo nacional. Mais do que pôr fim à
austeridade, o mérito deste governo – com a ajuda, diga-se, do Presidente da
República – é o de ter posto fim a uma espécie de guerra civil simbólica, mas
de resultados muito reais, que o anterior tinha desencadeado. Quando se fala em
distensão do clima político e social, o que se quer dizer é que o espírito de
comunidade foi reconstruído pela actual maioria. Onde o governo anterior
excluiu, as esquerdas estão, lentamente, a incluir.
E esta inclusão, muitas vezes simbólica, não é pouca coisa.
Contribui para criar espírito de inclusão no todo nacional e, em vez de
humilhar as pessoas, como foi feito muitas vezes pelo governo de Passos Coelho,
ajuda-as à ganhar coragem para enfrentarem a difícil situação em que não deixámos
de estar. Todos nos sentimos agora parte da comunidade política. Preocupante é
que a direita, em vez de reconhecer a falência da sua deriva ideológica,
continua saudosa do projecto de perseguição das classes populares, através de
uma legislação feroz de restrição de direitos, e das classes médias, por
intermédio da política fiscal. Esperemos apenas que as esquerdas não
embandeirem em arco com os resultados obtidos até agora e não entreguem a
governação aos que continuam dispostos a fazer de Portugal um país da América
Latina.