Pierre Bonnard - Standing Nude (c. 1922-30)
Lentamente, fez saltar um a um os botões do roupão e, com um esgar de
desprezo, deixou-o cair. Estava completamente nua. Olhou-se ao espelho. O
cabelo apanhado fê-la erguer a mão e passar por ele, como se quisesse
certificar-se de que estava no seu lugar. Dois dedos desceram as pálpebras inferiores e ela espreitou para dentro
dos olhos. Tudo estava em ordem. Confrontou-se, então, com o corpo. Os
seios, nem pequenos nem grandes, o ventre liso, as pernas. Não havia emoção na
contemplação de si mesma. Ficou assim por algum tempo, talvez dois ou três
minutos. Hirta. Na face, não se descortinava desdém ou reprovação. Ela
constatava, apenas. Talvez registasse a sua imagem para memória futura. A luz amarelava
o quarto, tocava-lhe a pele e ficava suspensa como uma recordação que, prestes
a chegar à consciência, insiste em não transpor o limiar, uma promessa que
recusa cumprir-se. Virou-se então de lado. À sua frente, abria-se a porta
do quarto. Ergueu os braços e depois deixou-os cair ao longo do corpo. Estava em
sentido. Olhou para lá da porta e, de imediato, fechou os olhos. Flectiu as
pernas e apoiou as mãos no chão. Observou o espaço em frente e experimentou a flexibilidade
dos membros, de todos eles. Assim, ensaiou os primeiros passos. Chegada à porta
tentou rosnar. Em vão. Fez novas tentativas, até que da sua boca saiu um som que
fez lembrar o rosnido de um cão. Sorriu. Há muito que não sorria. Saiu do
quarto e caminhou, a quatro, pela casa. Ouviu-se a porta de entrada a abrir e
depois a bater. Passados instantes, ecoou, vindo da rua, um uivo
prolongado, tão prolongado como se uma dor sem fim se tivesse abatido sobre o
mundo.
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