De todas as eleições municipais, a mais importante é a de
Loures. Isso deve-se à mobilização por André Ventura (PSD) de temas que têm
estado afastados da vida política nacional. As suas declarações sobre os
ciganos geraram um enorme burburinho, repúdio por parte da generalidade do mainstream político, mas também apoio em
certas franjas da direita que habita nas redes sociais. Passos Coelho,
contrariamente a Assunção Cristas, recusou-se a retirar o apoio ao candidato, o
que tem um óbvio significado político sobre a procura de uma agenda, por parte
do PSD, que permita afirmar-se contra a esquerda. As eleições de Loures, onde a
direita, nas últimas autárquicas, teve uma votação marginal, podem dizer-nos
muito sobre a evolução do debate político nacional.
André Ventura, de forma estridente, possivelmente racista,
ao focar os ciganos, e populista, coloca uma questão fundamental. Como controla
o Estado o conjunto de prestações sociais que atribui? O problema da suspeita
da existência de subsídios injustamente atribuídos – seja o chamado rendimento
mínimo, ou o subsídio de desemprego, ou o de doença, etc. – não se restringe aos
ciganos, havendo um rancor social larvar alimentado por uma persistente
suspeita de injustiça. A única maneira de conter esse rancor é assegurar que as
prestações sociais são justa e adequadamente atribuídas, com um controlo
eficaz. Do ponto de vista popular, o ressentimento com estas situações é
sentido de forma muito mais aguda do que a corrupção de alto nível e a grande
subsidiação às elites. Uma sondagem mostra que 68% dos portugueses – tanto da
esquerda como da direita – está de acordo com André Ventura. Isto é um aviso sobre
o que pode vir aí, se o Estado e os agentes políticos se demitirem de encarar o
problema de frente.
Se André Ventura tiver uma votação modesta, ainda que um
pouco superior à obtida pelo PSD, nas últimas autárquicas, a coisa, por enquanto,
morre por aí. Se obtiver uma votação espectacular em Loures, temos um problema
enorme entre mãos. Num momento em que a esquerda centralizou em si a agenda
social-democrata, será uma grande tentação para o PSD – um partido até aqui
exemplar neste tipo de questões – deixar o seu discurso resvalar para o que há
de pior. A esquerda, nomeadamente o PCP, se não está muito preocupada, deveria
estar. Em França foi este tipo de discurso vindo da Frente Nacional que
liquidou o PCF. Pior do que isso, Portugal corre o risco de trocar a discussão
sobre o seu futuro pela algazarra populista à volta de uma agenda fundada no
ressentimento e na inveja.
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