Oskar Kokoschka - A Tempestade (1913)
Se a esquerda portuguesa julga que está a navegar num mar
bonançoso, então o melhor é acordar e tentar perceber a realidade. As eleições
alemãs correram-lhe muito mal. A hipotética, e
bastante previsível, presença dos liberais no governo alemão pode vir a revelar-se
um pesadelo para Portugal e para o governo que por cá esteja instalado no poder, seja
ele qual for. Regras orçamentais mais drásticas e menor generosidade do Banco
Central Europeu – tudo imposto pela Alemanha – podem dar origem a novas tempestades e tornarem-se uma
oportunidade, inesperada, para fazer ruir a concertação à esquerda.
Outro perigo para a esquerda portuguesa vem das eleições
autárquicas de domingo. O problema não está no facto de o PS poder conquistar
câmaras ao PCP, embora isso não seja saudável para a coligação parlamentar. O
que melhor poderia acontecer à esquerda seria uma vitória autárquica do PSD ou,
pelo menos, um resultado não humilhante para a direcção de Passos Coelho. Ora,
com o que se prevê, Passos Coelho – que se tornou uma espécie de seguro de vida
da esquerda – tem os dias contados à frente do partido. Rui Rio, o provável
sucessor, apresentar-se-á limpo das tropelias do tempo da troika, sem ressentimento que lhe turve o raciocínio e com uma aura de competente na conquista
do poder e na gestão da coisa pública. Se vierem novos e mais tempestuosos
ventos da Alemanha, a esquerda, perante um Rui Rio imaculado e uma Assunção
Cristas triunfante, terá um enorme problema à sua espera.
Um problema e um teste. O teste passará pela resiliência do
BE e, fundamentalmente, do PCP. Perante uma situação que exigirá um grande
rigor orçamental, onde pode não haver espaço sequer para as actuais pequenas
reposições e outro emblemas da esquerda, como se irão comportar os partidos à
esquerda do PS? Falará mais alto o seu ADN ideológico ou terá essa esquerda a capacidade de
encarar a realidade do país e de sacrificar as suas posições em nome da
comunidade e dos interesses reais, e não ideológicos, dos seus eleitores? Mesmo
uma situação negra como a desenhada não implicará, todavia, a saída da esquerda do poder.
Essa saída dependerá dela, do talento dos seus dirigentes e, já agora, do grau
de responsabilidade perante o destino dos seus eleitores. O retorno da direita
ao poder não será uma brincadeira para uma parte significativa das pessoas.
Pode estar a chegar o tempo da verdade.
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