A minha crónica em A Barca.
Por influência do Iluminismo e de pensadores como Hegel e
Marx – ecoando ainda a perspectiva cristã – a História, nos últimos dois
séculos, gozou de uma fama que está longe de ser justificada. Ela seria o
caminho que nos conduziria, progressivamente, à boa sociedade, a um mundo de
paz perpétua, de entendimento entre os homens e de harmonia com a natureza.
Esta consideração optimista sobre o devir da humanidade, porém, está longe de
se adequar, por pouco que seja, à realidade. Na verdade, a História é o lugar
da violência, mas de uma violência que, contrariamente ao que pensava Marx, não
conduz a lado nenhum a não ser a mais violência. E não conduz a lado nenhum
porque, no cerne da História, nós encontramos a memória.
Dois exemplos recentes. O atentado de Barcelona. Ele faz
parte não apenas de um conflito contemporâneo, mas de uma longa história de
violências, de conquistas, de reconquistas, de colonizações e de crueldades.
Há, por exemplo, grupos islâmicos a reivindicar a Península Ibérica como
território do Islão. A cada instante se acusa o cristianismo pelas Cruzadas,
embora se esqueça que o Norte de África cristão foi, muito antes das Cruzadas,
convertido ao Islão pelo argumento da violência. Há a tragédia da colonização.
Por muito que queiramos rasurar a memória, ela volta. Um segundo exemplo está
ligado aos acontecimentos dos EUA, às marchas da extrema-direita e ao derrube
de estátuas erguidas pelos confederados derrotados na Guerra Civil americana.
Supremacistas brancos e anti-esclavagistas continuam em guerra pelas suas
memórias. Nada está esquecido. Por vezes, adormece, mas, logo que há
oportunidade, a memória da história americana volta com a sua carga de
violência.
Ver na História o caminho para a paz perpétua e para a boa
sociedade foi, aliás, uma estranha estratégia da própria memória violenta, para
que, em nome da paz, a violência se expandisse. O que é razoável esperar é que,
de um momento para o outro, sejamos envolvidos num conflito. O que é razoável
desejar é que os períodos pacíficos sejam, tanto quanto possível, longos. Para
isso é necessário não ter quaisquer ilusões sobre a bondade da História. A
vitória de uns é sempre o ressentimento de outros, numa escalada sem fim.
Conflitos que parecem dirimidos e resolvidos podem ser reactivados de um
momento para o outro, muitas vezes sem que se perceba bem porquê. A História
não é mais do que o balançar entre a glória e o ressentimento. Nela, nessa
História tão incensada, nada se esquece, nada se perdoa, tudo espera a hora da
vingança.
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