Odilon Redon - A loucura (1883)
Hoje é o dia em que pais e alunos festejam a entrada nos cursos do ensino superior. É natural. Contudo, este momento de alegria - e, por vezes, de insuportável exibição por parte de pais pouco dados à contenção - não nos deve ofuscar a loucura que está presente nestas admissões ao ensino superior público, e é só a este que me refiro. A coisa diz-se em poucas palavras. Muitos destes alunos, mesmo que terminem os seus cursos, nunca trabalharão nas áreas que escolheram. Eu conheço o argumentário dos defensores deste devaneio. As pessoas têm o direito de escolher os cursos que bem entenderem, a formação inicial, seja ela qual for, é um bom começo para qualquer que seja a profissão que irá estar disponível. Mas também conheço muitos alunos que entraram nas universidades, fizeram cursos e acabaram em empregos indiferenciados e se arrastam na vida muito longe das áreas para que fizeram formação. Para se ter uma ligeira percepção da dimensão da loucura que tudo isto representa atente-se à tabela abaixo.
Escolhi onze áreas universitárias - poderia ter escolhido muitas mais, algumas tão ou mais problemáticas do que as escolhidas - para dar a ver como tudo isto é absurdo. Vejam-se os alunos colocados na 1.ª fase - destes cursos não há vagas para a 2.ª fase - em áreas como Sociologia, Filosofia, Psicologia, Antropologia, História, História da Arte, Arqueologia, Relações Internacionais, Ciência Política, Ciências da Educação e Ciências da Comunicação. Imaginemos que metade destes alunos conclui os cursos. Multipliquemos isso por 10 anos. Os números de licenciados nessas áreas tornam-se extravagantes. Ninguém me vai convencer que o país precisa de tanta gente com formação nestas áreas e noutras com o mesmo grau de saída.
O país precisará de abrir 166 vagas para arqueólogos, ou 825 para psicólogos ou 449 para sociólogos? Por muito que se diga o contrário, tudo isto é um crime. Um crime contra os alunos e as famílias que vão ao engano. Um crime contra o erário público. Estamos a investir em formações que não têm saída, nem sequer na emigração. Isto já foi pior, mas o absurdo continua e como a escolha dos alunos não desaparece (o azar de não encontrar colocação pós licenciatura vem longe e só acontece aos outros e aos filhos dos outros), os cursos subsistem. O Estado demitiu-se, há muito, de racionalizar os recursos educativos. Como explicar a existência de 12 cursos públicos de Psicologia, 10 de Sociologia, 7 de História, para além dos 4 de História de Arte e 5 de Arqueologia? Para mim é um enigma a existência de 5 cursos de Filosofia - já foram mais - ou 6 de Ciências da Comunicação. É evidente que as Universidades não têm qualquer interesse nessa racionalização e, em última análise, é-lhes indiferente o destino daqueles que as frequentam. Um absurdo que ajuda a explicar por que razão, mal se olha para o lado, as contas públicas estão fora dos carris.
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