Para o meu neto Manuel.
Há uma diferença essencial, para um pai e avô, entre o
nascimento de um filho e o de um neto. O nascimento do filho traz com ele, para
além do prazer que a sua vinda significa, problemas práticos. Cuidar dele,
educá-lo, prepará-lo para o mundo e para a vida que vai ter de enfrentar. Um
pai olha para o filho envolvido no presente. Mesmo quando considera o futuro,
fá-lo sempre preso ao agora. O futuro de que fala ao filho não é uma
abstracção, mas uma realidade que tem as suas raízes em cada hora que se vive.
Aquilo que ele será amanhã está a ser decidido hoje. O nascimento de um neto é
uma abertura para a especulação. O avô está liberto da preocupação prática e a
forma como olha para o futuro, ao ver o neto recém-nascido, permite-lhe um voo
da imaginação que os filhos nunca podem permitir. No neto, o avô prolonga-se
num futuro em que ele avô só estará presente por breves instantes, mesmo que
sejam anos.
O neto vê já, ainda antes de ter consciência, muito, mas
muito mais longe do que o avô alguma vez poderá perscrutar. Embora num
horizonte mais reduzido, o filho também o faz, mas o pai está demasiado
absorvido no quotidiano que a paternidade impõe para poder meditar sobre isso.
O neto, porém, liberta o avô da tirania do presente e abre-lhe um horizonte de
esperança e de expectativa. Este horizonte que os olhos cansados do avô já não
conseguem circunscrever, passou a existir para o neto, está dentro dos seus
olhos e passa a tomar realidade conforme ele os vai abrindo. Um filho dá
sentido ao presente. Um neto confere vida ao futuro que não se viverá. Mas esse
não viver não é motivo de ressentimento. Que sejamos mortais, isso pouco
importa, pois, ao olharmos o neto acabado de nascer, a imaginação e a razão
especulativa põem diante de nós a imortalidade.
Estamos num tempo em que se fala muito de tradição. No
entanto, a tradição mais fecunda, a mais sólida e a mais autêntica é aquela que
é estabelecida dentro das famílias. Mais do que genes transmitidos, são
palavras e gestos, formas de olhar o mundo. Tece-se uma corrente, mas não é uma
corrente que limita e prende, mas que
leva mais longe e liberta. Um neto liberta o avô das muralhas que o tempo
construiu à sua volta e oferece à imaginação a possibilidade de se transportar
para um mundo que só pela vinda do neto poderá tornar-se real. A natureza
quis-nos limitados e deu ao tempo o poder terrível para fazer cumprir a sua
sentença, mas a vida nunca desiste de enfrentar o tempo e de lembrar à natureza
que, dentro de nós, seres humanos, há uma esperança de imortalidade. Todo o
neto é um símbolo dessa esperança.
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