Francisco Soto Mesa, 5.01.1, 2001
Fixou os olhos e, como se fosse cego, tirou um cigarro do maço e
levou-o à boca. Depois, abriu a caixa de fósforos, subtraiu um e fê-lo deslizar
pela superfície áspera da lixa, colada à lateral da caixa. Uma chama viva
acrescentou um pouco de luz àquela que caía sobre ele. Os seus olhos não se moviam.
A mão, com o fósforo preso nos dedos, viajou até ao cigarro e abrasou-lhe a
ponta. Uma baforada de fumo soltou-se da boca e traçou, como se anunciassem o
caos, espirais e labirintos que logo se desfizeram, perdendo-se no amarelado do
tecto. Tornou a sugar o cigarro, não sem que uma imagem de ansiosa dor lhe
toldasse o rosto. Quem o olhasse podia perceber o movimento do peito enquanto o
fumo chegava aos pulmões, para logo sair, ora pelo nariz, ora pela boca. O
olhar, porém, parecia inamovível, preso a qualquer coisa que o fascinava. Um
rito escarninho riscou-lhe a face, mas logo a mão levou o cigarro à boca e tudo
se recompôs. Não havia silêncio naquele lugar, pessoas iam e vinham,
conversavam, trocavam olhares, as portas abriam-se e fechavam-se. Tudo era
movimento, apenas o seu olhar estava preso, suspenso, extático. Com a mão
esquerda acariciou a garrafa de bourbon,
ergueu-a e inclinou o gargalo para o copo vazio. Quando líquido atingiu uma
altura de dois dedos, parou sem olhar, mas não largou a garrafa. A mão parecia
encontrar ali um ponto de salvação. Os dedos engalfinhavam-se a apertavam o
vidro com força. Então, os olhos moveram-se lentamente, acompanharam um vulto.
Viram-no caminhar, abrir a portar e sair. Quando a porta se fechou ouviu-se os
estilhaços de um garrafa a tilintar no chão de mármore. A sua mão estava vazia.
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