terça-feira, 20 de novembro de 2018

Irvin D. Yalom, A Cura de Schopenhauer


Na literatura ocidental a relação entre Eros e Thanatos, entre o amor e a morte, tem uma vasta fortuna, por norma marcada pelo infortúnio dos amantes, como se a morte fosse o castigo pela desmedida da paixão amorosa. O romance do psicanalista Irvin D. Yalom, A Cura de Schopenhauer, traz consigo uma inusitada relação entre os dois termos, na qual se quebra a relação de continuidade entre o amor e a morte, para a considerar numa relação em que o destino da compulsão erótica e o trabalho da morte surgem desligados da tradicional figura do par amoroso.

Jules Hertzfeld, um psicoterapeuta de sucesso, descobre subitamente que, devido a uma doença oncológica, o prazo da sua vida está reduzido a um ano. Perante a entrada em cena de Thanatos, decide procurar um dos casos de insucesso da sua prática terapêutica. Phillip Slate foi seu paciente durante cerca de três anos. Era adicto em sexo e, durante o tratamento, não registou qualquer melhoria. Assim, um Eros compulsivo e um Thanatos inexorável encontram-se não na figura de dois amantes mas na de paciente e de terapeuta. Quando Hertzfeld encontra Slate, este diz-se curado da sua compulsão. A leitura de Schopenhauer, com o seu pessimismo e a sua misantropia empedernidos, salvou-o da dependência viciosa da sexualidade. Liberto do tormento, está mesmo em vias de se tornar, ele mesmo, um terapeuta filosófico.

O psicoterapeuta condenado está decidido a prosseguir o seu trabalho até que a morte chegue. É no âmbito desta decisão que estabelece um acordo com o seu ex-paciente. Este necessita, para poder exercer, de uma supervisão. Hertzfeld aceita ser seu supervisor, devendo Slate passar a frequentar as sessões de terapia de um grupo, que o primeiro dirige. Por seu turno, Hertzfeld vai deixar-se instruir pela filosofia de Schopenhauer, sob orientação de Slate. A terapia de grupo, essa pequena comunidade de pacientes em busca de si, é o lugar que o autor escolhe para mediar essa relação sem fim entre o amor e a morte, sob a égide da sombra tutelar do filósofo alemão.

No grupo, as várias figurações do amor, da sua perda, da sua ilusão convivem com as figurações da morte, tanto a que está omnipresente na figura do terapeuta como a que se manifesta nos temores dos pacientes. O interessante é que há uma espécie de troca entre Hertzfeld e Slate. Slate curado da compulsão erótica tornou-se, à imagem de Schopenhauer, um misantropo que evita olhar os outros nos olhos, enquanto oferece explicações filosofantes, despidas de emoções, sobre os problemas dos companheiros de terapia. O Eros compulsivo tornou-se numa espécie de morte emocional. Por seu lado, Hertzfeld condenado à morte pela doença esforça-se para se abrir ao grupo, num acto amoroso, num Eros que de algum modo se transmuta em Ágape, em amor compassivo.

Este romance de Yalom, como os outros que escreveu, tem uma função pedagógica no âmbito da formação de psicoterapeutas. No entanto, ele ultrapassa essa função formativa e afirma-se como obra literária onde se entretecem, no círculo do grupo em terapia, as narrativas daquele que vai morrer, Hertzfeld, daquele que está morto e, sem o saber, procura a vida, Slate, mas também a de Schopenhauer, do qual, ao longo do romance, é traçado um retrato psicológico e filosófico fundado na sua biografia. O grupo de terapia revela-se desse modo mais do que um instrumento de cura para patologias existenciais, revela-se como um dispositivo literário que tem por função revelar as personagens e o sentido dos seus actos e das opções que fazem na vida.

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