Fernando Lerín, Sem título, 1984 |
O rio forma ali um pequeno lago de águas mansas, por vezes sobressaltadas
se algum pato exausto decide descansar sobre elas. Um espelho, ouve-se dizer.
Em verde sombrio, o mundo reflecte-se nele em camadas sobrepostas, como se se
estivesse perante um velho palimpsesto, de onde o trabalho do decifrador vai
resgatando com paciência os textos antigos e rasurados. A camada mais longínqua
é a do céu. Ali convivem a pureza imaculada do azul, que, ao reflectir-se nas
águas, desliza para aquele fronteira onde azuis e verdes se tocam, deixando o
espectador indeciso sobre a cor que os seus olhos vêem, com o alvoroço das
nuvens, umas brancas e leves, outras escuras, pesadas como uma ameaça suspensa
sobre o destino dos homens. Passam no reflexo das águas em tumulto,
sobrepondo-se, para logo se afastarem, abrindo clareiras, e logo as fechando,
impotentes, porém, para evitar que o azul, de novo, desça dos céus para se
reflectir nas águas. Sob a perturbação celeste, plátanos e salgueiros deixam
que os seus ramos se reflictam na água, criando a ilusão de uma floresta aquática,
ali mesmo onde a água desliza lentamente, quase imperceptível. Os olhos não
conseguem desprender-se desta floresta ilusória, dotada de uma vida acesa pela luz
da manhã. Em primeiro plano, esse texto mais recente, a imagem de quem está a
olhar o espectáculo ribeirinho. Há quem converse e aponte para algum peixe que
surge à tona de água, há quem olhe rapidamente e, temendo o fascínio, se
afaste, desaparecendo dali, e há quem fique ali, apenas para olhar, em
contemplação, elevando no silêncio uma oração para que o tempo não passe e a
beleza de tudo aquilo permaneça para toda a eternidade. A luz, comandada pela
dança das nuvens, porém, desfaz a ilusão e a sequência ininterrupta de claros e
escuros lembra que é impossível parar as águas do tempo. Pouco a pouco, a
margem fica deserta e o mundo reflectido no espelho de água perde-se na
ausência de quem o observe.
Excelente texto.
ResponderEliminarUm abraço
Obrigado.
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