sexta-feira, 23 de agosto de 2019

A greve dos motoristas


PÔR O REGIME À PROVA. Na greve dos motoristas de matérias perigosas coincidiram duas vertentes que, para os próprios interessados, não deveriam ter coincidido. A luta laboral por reivindicações que merecerão respeito e um desafio às instituições políticas e ao regime. Havia quem – e não estou a falar dos motoristas – visse esta greve como uma possibilidade para pôr em causa o regime actual. Esperava-se que o caos se instalasse nos combustíveis, mas também no abastecimento de géneros de primeira necessidade e na saúde. Isto permitiria derrotar o governo apoiado na esquerda e, ao mesmo tempo, preparar o terreno para a emergência de movimentos inimigos da democracia liberal. 

DEFESA DO REGIME. As duas principais forças que defenderam o regime foram o governo e o Partido Comunista. É evidente que tanto António Costa como o PCP têm interesses próprios a defender. Eleitorais, o primeiro, sindicais, o segundo. No entanto, na acção de ambos houve uma preocupação específica com a defesa do regime. O governo assegurou que, apesar da greve, a vida dos portugueses decorresse dentro da normalidade, evitando a emergência de movimentos sociais desestabilizadores. Através do sindicato afecto à CGTP, o PCP mostrou que oferece uma fiabilidade negocial e um respeito institucional que vão muito para além das emoções do momento. Não esquecer, contudo, que esta defesa do regime esteve sempre escorada no Presidente da República.

A FALTA DE COMPARÊNCIA. Os outros partidos parlamentares, perante a situação grave que se poderia viver, primaram pela ausência. PSD e CDS estiveram ausentes porque estão fora do governo. Se ocupassem o poder, perante a mesma situação, teriam um comportamento idêntico ao dos socialistas. Eram dispensáveis, porém, a disponibilidade do CDS para alterar a lei da greve e os tweets de Rui Rio na 25.ª hora. O Bloco de Esquerda esteve ausente porque a sua influência sindical é nula.

PROBLEMAS PENDENTES. As condições de trabalho dos motoristas e de milhões de trabalhadores estão muito longe de serem satisfatórias. A contínua genuflexão governamental perante os interesses patronais pode ser uma fonte de problemas no futuro. Uma segunda questão está na vulnerabilidade política do país perante certos sectores profissionais. A vida social não pode depender continuamente de requisições civis, uma espécie de declaração de estado de emergência. Um terceiro problema relaciona-se com o sindicalismo institucional e o desafio de sindicatos desalinhados e pouco comprometidos com a democracia. A UGT e, especialmente, a CGTP têm um desafio pela frente, que também é o da democracia liberal.

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