Deborah Turbeville, Clothes by Romeo Gigli, Mirabella Magazine, 1989 |
A mulher abandonada entrega-se comovida ao seu abandono.
Este nasce-lhe dentro do coração e transpira lentamente pelos poros, como se
fora uma alma exausta, cansada da prisão do corpo. Inclina a cabeça para terra.
Dos olhos, desprende-se o plácido rio da solidão. Com ele faz um vestido de
água e seda, e logo vela o corpo para que olhos vindos ao acaso se interroguem
sobre forma e beleza. No abandono, a mulher encontra um lugar de onde se soltam
perguntas que desabam sobre a mudez e lhe inclinam o olhar para a grande
avenida da tristeza. À sua volta cresce a ruína. O tecto desfaz-se em poeira
policromada, as madeiras de portas e janelas são pasto de rebanhos de carunchos,
os vidros esperam, na sujidade acumulada pela passagem dos anos, a pedra dura
que os estilhaçará, fazendo-os cair no chão, para que se oiça o som que se solta
desse encontro amargo e fortuito entre o vidro e os azulejos. Alguém pensará então
ouvir o repicar frenético de um pequeno sino, mas a mulher abandonada
permanecerá suspensa na sua dor, imaginando-se uma estátua confiscada à vida e
tornada pedra e eternidade. Então, oferece-se, pura e inconsolável, à plenitude
da contemplação. Intocável, entrega a sua imagem à avidez dos contempladores.
Eles olham-na e não vêem abandono, tristeza, solidão, nem as sombras da alma no
enigma do rosto, apenas os requebros do corpo, a cintilação das roupas. Tomada
por uma melancolia invencível, ela começa a descer dentro de si, afunda-se mais
e mais até ouvir o rumorejar da terra, a lava incandescente que se esconde no magma,
cujo calor a toca ao de leve e a abre, com lentidão não dissimulada, para o
arrebatamento da vida, desse lugar em que o abandono ainda é um sinal de
contradição perante o império da morte.
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