segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Perfis 12. O actor

Ed Clark, Marlon Brando, 1949

O actor não dorme nem descansa, apenas se representa como quem está a dormir e se entrega ao descanso. A vida de actor é uma representação contínua, que nunca pode ser suspensa, que segue por uma estreita vereda rodeada por precipícios. Se o actor deixa de representar, os pés tropeçam um no outro e a queda é inevitável. Por isso, é vigilante e permanece sempre de vigília, mesmo se aparenta dormir, mesmo se sonha. Quando um sonho lhe chega, ele representa-se a sonhar e sonha-se representando. Um actor é um agente duplo, age na vida como se agisse na vida, espia-se a si como a um inimigo. Na mão, leva o seu papel. Repete-o infinitamente. Primeiro, lendo-o uma e outra vez. De seguida, soletrando-o enquanto caminha na cidade ou nos campos, se apanha um táxi, se se aventura num transporte público, se toma o elevador de um hotel. Por fim, sonhando-o enquanto no sonho se representa a dormir. Noite e dia, o actor é fiel a uma longínqua tradição. Nunca tira a máscara, pois, para ele, não há suspensão da representação. A janela que o ilumina é uma janela de luz incessante, para que o escuro não o envolva e a noite, com a sua armadura de trevas, não o derrote e o faça cair no inferno dos actores, esse lugar frio onde nenhum espectador porá os pés, nenhum sentimento de gratidão se elevará, nenhum realizador ou encenador arquitectará um mundo feito com as suas palavras e os seus gestos. A máscara é o rosto do actor e o papel a sua vida. Essa é a sua riqueza, não se distinguir da máscara e de viver o papel que lhe foi atribuído, não em cada filme ou em cada peça, mas na hora em que nasceu e sobre ele, em segredo, máscara e papel se ergueram para se lhe irem cingindo sem que ninguém, nem ele, o notasse ou quisesse.
 

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