Wolf Suschitzky, Street Cleaner, Westminster, London,1937 |
Não têm fim as folhas mortas, pensa o varredor. O vento é o
pior, diz sem emoção, esquecido do tempo em que havia sentimentos a borbulhar
na sua consciência. Ele varre, junta as folhas em pequenos montes, com a pá
deposita-as no carro, mas logo, como Sísifo, terá de recomeçar a tarefa, pois o
arvoredo não se cansa de deixar cair as folhas exaustas para dentro do Inverno.
Um dia sonhou com o seu lugar no mundo, imaginou-se rei, homem rico, como
aqueles que por vezes via nos jornais velhos, amarfanhados pelos cantos da rua.
Abria-os e olhava ávido as fotografias. Talvez os seus sonhos fossem mais
modestos e, como muitos rapazes, se visse como polícia a perseguir os malvados
do mundo, ou, então, como bombeiro a salvar uma bela rapariga das chamas, com quem
haveria de casar. Porventura nem isso, pois até no mundo onírico a desigualdade
impera. Nem toda a gente sonha com as mesmas coisas, nem da mesma maneira. O
varredor não terá sonhado o suficiente e a vida colocou-o agarrado ao carro onde
deposita as folhas secas caídas pelos passeios, que outros precisam de pisar
sem o temor de escorregar nalguma folha morta. Sob a capa da névoa há mais
folhas caídas à sua espera, e essa é a única certeza que tem. Varre-as, amontoa-as,
empurra-as para a pá e deposita-as, sem acrimónia nem lassidão, no carro que
há-de ficar cheio. O corpo inclinado, o olhar dirigido para o chão, a vida
vergada ao destino. Empurra o carro, mas não olha em frente, pois tudo o que o rodeia
está coberto pelo nevoeiro. Também a sua vida está recoberta de uma névoa densa.
O passado engolido num desvão da memória, o futuro preso ao carro que empurra e
onde deposita, sem descuido, as folhas mortas em que se transformou a sua vida.
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