quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

A novidade eleitoral


As eleições para a Presidência da República teriam sido banais não fora a votação do candidato André Ventura (AV). Ela representa a emergência em força da extrema-direita e a aceitação por uma parte dos portugueses de uma linguagem política pouco civilizadas. Representa ainda, depois das reportagens da SIC sobre o partido de AV, a aceitação de tudo aquilo que seria severamente reprovado caso existisse nos outros partidos. Significa também o acolhimento de um programa político em que muitos dos votantes no candidato seriam vítimas das suas políticas. Constata-se a existência de uma predisposição forte para a contestação do regime democrático. Em tudo isto existem más razões e problemas sérios.

Comecemos pelas más razões. Na votação de AV estarão votos de quem odeia a democracia, de adeptos de regimes fascistas e nazis. Haverá votos de saudosistas do Estado Novo, ou seus descendentes, gente que nunca se conformou com a democracia. Haverá ainda votos de pessoas ressentidas com a vida, com o seu falhanço pessoal, o qual é atribuído aos políticos e encontram em Ventura o redentor – ou o vingador – de vidas falhadas. Também não é de descartar a atracção, em eleitores masculinos mais novos, pelo discurso violento, pelo prazer da humilhação dos outros. A violência é coisa que fascina. Haverá de tudo isto, mas não será suficiente para explicar quase meio milhão de votos. É preciso lembrar que, como alguém disse, os populismos são respostas erradas a problemas reais.

Quatro questões poderão ajudar a explicar o resto, embora não o esgotem. A interioridade – e o abandono sentido aí – pode ser uma das explicações. Em todos os distritos do interior, AV tem votações acima de 13%. Um segundo motivo, estará nas zonas de contacto e fricção interétnica – essas espalham-se pelo interior e pelo litoral – onde os eleitores sentirão pouco a presença do Estado e vivem em tensão com comportamentos que não reconhecem como adequados. Um terceiro motivo prende-se ao desprestígio que atinge as elites políticas. Umas vezes, por culpa das próprias – casos de corrupção, de nepotismo, de privilégio, de ausência de um comportamento frugal tipo nórdico –, e outras por campanhas sujas que exploram o ressentimento irracional com as elites. Uma quarta razão, prender-se-á com a existência de novas gerações altamente qualificadas, mas sem emprego ou com um emprego não compatível com a formação. Se se preza a democracia liberal, o melhor será não fingir que os problemas não existem, que a votação de AV caiu dos céus ou veio do inferno.

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