Juán José Vera - Azul (1982)
Tenso, o braço desloca-se quase na horizontal e volta ao ponto de
partida. Ouvem-se ruídos de um pequeno motor, mas logo desaparecem. O homem,
vestido de fato-macaco verde, com um nome de empresa indecifrável estampado no
peito, puxa uma corrente. Insiste, uma e
outra vez, até que o corta-relvas ribomba num dos relvados entre prédios, para
se tornar um contínuo monótono de pequenas explosões. A paz da avenida é quebrada,
o dia inaugurado, trazido da obscuridade da noite para a corveia do dia. A
manhã cresceu e os raios de sol batem nas árvores, despertando os homens para
os afazeres que os dobram para terra, curvados ao peso do dever. Um carro, cor
de cinza, pára lentamente. A porta do lado direito abre-se, uma rapariga,
talvez nos seus quinze anos, de mochila na mão, logo a põe às costas, sai e
dirige-se, vergada ao peso, batida pelo vento, para a entrada da escola. O Sol
ilumina as copas das árvores e, olhadas de cima, as folhas mostram já manchas
de cobre a anunciar o vigor do Outono. Em breve a calçada estará juncada desses
restos de vida tomados pelo cansaço, seduzidos pela gravidade, numa girândola
de cores quentes, como se prenunciassem o Inverno a vir. Da porta de um dos
cafés, sai uma mulher, os passos firmes sobre uns saltos que lhe diminuem a
pequenez, a enchem de confiança, a confiança com que empunha o comando e faz
deflagrar o ruído do fecho central do carro e o súbito acender dos quatro
piscas, que logo se desvanecem. Abre a porta e senta-se ao volante, sem cuidar
que a saia lhe sobe pernas acima e as entregue à devassa de um transeunte, de
fato escuro e coçado, que aceita, cobiçoso, a dádiva, com um olhar sonhador e
implorativo. Ouve-se o zumbir do motor, o carro recua do estacionamento, entra
na estrada, perde-se numa rotunda, vai-se dos olhos do homem, onde, por
instantes, tinha dançado a esperança de sentir as mãos no oceano de uma pele
oferecida ao império do desejo. Um pombo desliza, bate as asas, esconde-se na
sombra de uma nuvem. Lá em baixo, rapazes e raparigas afadigam-se para dentro
da escola, curvados ao peso dos livros, gesticulam, falam alto, enchem a manhã
de palavras obscenas e risos estridentes. Quando a campainha toca, uma folha
desprende-se do ramo e cai hesitante, batida pelo vento agreste, na pedra dura
e gasta da calçada.
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