A minha crónica na edição de Outubro de A Barca.
Há dias a ONU nomeou Nadia Murada embaixadora da Boa Vontade para as
Nações Unidas. Nadia, uma jovem yazidi de 23 anos, tinha sido raptada pelo dito
Estado Islâmico (EI) e feita escrava sexual durante três meses. Perante os
líderes mundiais, reunidos na sede da ONU, perguntou: Se decapitações, violações, escravidão de crianças e deslocação de
milhões não vos movem, quando se vão mover? Esta pergunta põe a nu o grau
de decadência que os valores da vida civilizada atingiram no mundo.
O EI introduziu um novo elemento no cenário global. Se olharmos a vida
internacional desde o fim da segunda guerra mundial, encontramos múltiplas e
terríveis atrocidades. Basta recordar o que se passou com o domínio do Camboja
pelos Khmers Vermelhos. O que se passava, porém, nas diversas ditaduras, era o
horror praticado – e em algumas delas esse horror foi desmedido – ser camuflado.
Apesar de nada os demover, os carniceiros tinham ainda uma compreensão de que
as suas práticas de terror violavam alguma coisa de essencial e que, de uma
forma ou de outra, precisavam de ser camufladas.
O EI conseguiu duas coisas impensáveis. Em primeiro lugar, tornar o
horror num grande espectáculo que atrai simpatia, apoio e militantes. Em
segundo lugar, manifestar esse horror como uma alternativa à vida civilizada
que a espécie humana, a muito custo, tem vindo a erigir sobre o nosso pobre
planeta. Sem vergonha, o EI mostrou como acções virtuosas a decapitação, a violação,
a lapidação, a escravatura, o assassínio por motivos ideológicos, a destruição
da memória, etc., etc. O EI ultrapassou uma fronteira que todos nós pensávamos
inultrapassável: o terror tornado forma de vida legítima e virtuosa. A
desesperada pergunta de Nadia Murada, perante os líderes mundiais, assinala
esse momento de derrota da civilização e a impotência que todos pressentimos
perante o retorno em força da barbárie. Quando
se vão mover?
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