Estamos em período de discussão do orçamento de Estado. A discussão
que grassa por aí é, na verdade, irrelevante. É um problema de mercearia. A
mercearia, claro, tem a sua importância, mas a questão central está toda na
nossa ligação à Europa. E é esta ligação que merece ser meditada. Não por ela
mesma, mas pela forma como a fizemos. Tanto a adesão à então CEE como a posterior
entrada no Euro são marcadas por um espírito infantil. Tanto o cidadão comum
como as elites políticas confundiram uma associação de interesses egoístas com
uma organização de solidariedade e de entreajuda.
Esta confusão pueril pode-se explicar pelo grau de imaturidade da
democracia portuguesa. Esta nasceu num ambiente de ilusões, de grande
idealismo, onde a ideia de interesse próprio fora recalcada. Isso não nos
preparou para entrar num espaço onde se geriam e gerem conflitos com muitos
séculos de história, os quais giram em torno de interesses particulares e não
de ideias, ideais culturais e espírito de boa vontade. Foi esta imaturidade
política que não permitiu discernir os perigos que a desastrada gestão dos
aparentes benefícios da entrada no clube europeu continha. Bastou que a crise
do subprime de 2008 se repercutisse
nas crises das dívidas soberanas, para que se percebesse a realidade da União
Europeia, para que a visão ingénua que havia por cá se desfizesse em meia dúzia
de meses.
Com isto, não advogo a saída da União Europeia. Sublinho uma outra
coisa. Esta experiência pode ser um momento para compreender a realidade. A UE é
um clube de interesses conflituantes, onde o essencial é as relações de força e
não os ideais europeus. Estamos a pagar duramente o equívoco, e cada orçamento
de Estado é, com mais tonalidade social ou mais matiz liberal, um exercício de
punição. Punição de quê? Da nossa imaturidade, da confusão dos desejos com a
realidade. É também uma oportunidade de percebermos que antes de contarmos com
os nossos supostos parceiros temos de contar com as nossas forças, saber quais
são e até onde podemos ir. É uma humilhação um povo com nove séculos passar por
esta punição? É, mas esse é o preço da infantilidade (a expressão bons alunos, diz tudo) com que nos
relacionámos com o conjunto de velhas hienas que construíram a UE para se
vigiarem entre si. Entre hienas há que ser hiena ou, pelo menos, não confundir
uma hiena com o cão amigo que nos protege.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.