Valle Julián - Plato con granada
Há no vento que cobre o mundo um excesso
de palavras, a voz rouca, quase sombria no oceano encapelado da mudez, a pele
marcada pela luz, tão luminosa, da ferrugem, a feroz ferrugem que cai vinda nem
se sabe de onde. A água precipita-se, presa em apressada pressa, e foge para o
mar e tudo se torna silente, entregue a uma longa maturação, anos sobre anos, o
pão a levedar, as roupas novas a envelhecer sobre a pele, a dormirem exaustas
no fundo de uma arca, na escura noite do esquecimento. Porque afagas a madeixa
que te cobre a testa? Os olhos inclinam-se para o chão, as pálpebras descaem, um
barulho de romãs, as velhas romãs de
cárdeno que no quintal colhias, cerca-te no poço da solidão.
Quando desenharam as estradas, em
estirador sem gruas nem máquinas, um lugar sombrio, o sol dali fugira, não
ouviram o ranger da terra, os gritos do corpo ferido pelo ferro, as pálidas flores
silvestres decepadas, animais em fuga, uma promessa de alcatrão e um incêndio
de carros a voar, estrada fora, tudo a crescer em estreitas linhas vermelhas,
no papel que um dia te disseram: este é o teu país e aqui a casa de teus pais e
aqui a escola onde estás. E tudo isso cresceu como uma promessa cantante, a
cantar no desvão do cérebro ou na fímbria do coração, uma promessa que
escondias se chegavam as chuvas, sempre tão molhadas, e pequenos rios nasciam
da fonte dos teus olhos e inundavam a terra seca, a terra onde, entre romãs,
havia pegadas, os teus pés as deixavam.
Era uma pátria incerta, de fronteiras
volúveis, bordada por mãos cuidadosas, as tuas mãos feitas de memória e lírios
enlouquecidos, onde roncavam animais perigosos, peixes voadores a cruzar os
ares e aves palmípedes a escancarar a boca, se a noite caía, e tantas vezes, ainda
dia, a noite sobre ti caía, depositava trevas nos teus olhos, arremessava
negrumes pelo ventre, murmurava-te silêncios batidos pelo vento. Era assim que eu
amava o teu país, mesmo quando a madeixa te cobria a testa, e gritavas: e em
suas bordas farás romãs de cárdeno, e púrpura, e carmesim ao redor de suas
bordas, as volúveis fronteiras que iam e vinham na ondulada respiração de teus
seios, luas bravias, às minhas mão anoiteciam. E eu cantava à beira do abismo,
tocava uma harpa de dor e enterrava na lama, tão enlameada, os pés e, com eles,
o fogo do teu coração ou as romãs de cárdeno que em ti havia.
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