Arden Quin - Forme Noire II (1942)
Os olhos negros, toldados por sobrancelhas espessas e não tratadas, têm,
à superfície, uma vida mortiça, embora, se observados com atenção, ainda
guardem, bem ao fundo, um brilho, talvez o resto de uma esperança. O rosto
ovalado, quase inexpressivo, é cortado por um nariz não excessivamente grande,
que se abre em duas narinas regulares e bem marcadas. A boca,
surpreendentemente, contrasta com a expressão ascética que se observa ao
primeiro olhar. Dois lábios, não muito grandes, onde não há sinal de palidez e
longas renúncias, entreabrem-se, carnudos e bem recortados, em vermelho vivo,
deixando entrever dentes brancos e regulares. A boca, assim aberta, parece,
porém, denunciar uma dificuldade de respiração, como se as narinas, apesar da
regularidade, fossem incapazes de cumprir a função e assegurar o comércio do ar
entre os pulmões e o mundo. Este contraste, entre a sensualidade da boca e a
quase imaterialidade do rosto, parece ser decidido pelos cabelos, modestamente
penteados, apenas um risco ao meio, fronteira a partir do qual caem para ambos
os lados, quase tapando as orelhas, para se esconderem, enlaçados, atrás das
costas. O pescoço não é longo e a parte inferior está coberta por uma gola
negra que sobe do vestido, também ele negro e destituído de qualquer artifício,
quase uma bata. Enquanto o braço esquerdo cai ao longo do corpo, o direito
flecte-se e mostra quatro dedos de uma mão delicada, à altura do seio, que
segura, com leveza, uma carta, a esperança que brilha no fundo dos olhos,
arrastada pelo desejo insinuado na boca.
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