A minha crónica no Jornal Torrejano.
Como estamos em maré de Prémio Nobel da Literatura, este ano aberto a
larga controvérsia, viajemos até 1920. Nesse longínquo ano, a academia sueca
decidiu laurear o norueguês Knut Hamsun. Na altura, ele tinha chegado à casa dos sessenta anos, mas ainda estava longe o tempo em que ostentaria as
posições políticas que o conduziram a sérios problemas com a justiça e a um
grande ostracismo, tanto pessoal como literário, do qual só lentamente a sua
obra tem vindo a sair. Na verdade, Hamsun foi um adepto convicto do nazismo,
tendo apoiado a ocupação alemã da Noruega e o respectivo governo fantoche. Depois
da guerra foi detido por traição e julgado.
Este apoio está em linha com posições ideológicas que se manifestaram
desde muito cedo. O escritor norueguês cultivava, por um lado, um exacerbado
individualismo. Por outro, uma crítica sistemática à modernidade ocidental.
Estes dois traços, que não têm necessariamente de conduzir a um apoio à
ideologia nacional-socialista, são centrais na sua obra literária. Os heróis
são individualistas ostensivos, em conflito com as normas burocráticas da
sociedade moderna. A vitória do indivíduo não se deve à trama das relações
sociais, mas à sua vontade determinada em superar os obstáculos, sejam os
colocados pela sociedade, sejam os que existem na natureza. Este incensar da
vontade, algo que poderia também acontecer em alguém de orientação liberal e
democrática, combina-se com a rejeição da modernidade, a qual é vista como um
perigo para a relação fundamental do homem com a terra, por exemplo, no romance
Os Frutos da Terra.
Knut Hamsun foi, apesar do seu anti-modernismo, um dos escritores mais
importantes da transição do século XIX para o XX e um dos mais inovadores. Foi
pioneiro no uso de técnicas literárias como o monólogo interior e a corrente de
consciência que viriam a marcar toda a literatura do século XX. Apesar da
personagem política que foi, Hamsun merece ser lido e relido. A Cavalo de Ferro
Editores está a prestar um enorme serviço à cultura portuguesa e aos leitores
ao traduzir algumas das suas obras (Fome,
Pan, Victoria, Mistérios e Os Frutos da Terra). Por muito que as
posições políticas de Hamsun nos ofendam, e elas têm muito para ofender, os
livros que escreveu merecem ser lidos. Pode-se começar, por exemplo, com o
extraordinário, embora estranho, Fome.
Ou para quem ama o mundo rural com Os
Frutos da Terra. Boa leitura.
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