Gerardo Rueda - Alcalá (1960)
Negro, o véu cai-lhe sobre os ombros nus. O vestido, também preto,
bordejado a branco no decote, acentua a tristeza que lhe escorre dos olhos, tão
escuros quanto a noite, e inunda o rosto, marcado por um nariz afilado,
cortante, que encima, quase ameaçador, a boca. O lábio superior fino, a lembrar
longas asceses, contrasta com a generosidade do inferior, tocado por um leve
ensejo de ser beijado, de se entregar ardoroso a outros lábios. Esta diferença
labial, tão comum, deixa antever o conflito, entre a frieza meditativa e o
ardor vital que se esconde na alma. O rosto, apesar da tristeza lutuosa que
aparenta, não o consegue disfarçar. Os seios não são generosos. Pelo contrário,
o vestido deixa percebê-los contidos, um novo disfarce, também comum em tantas
mulheres. A melancolia da sua imagem faz adivinhar um exercício contínuo para
limitar uma sensualidade secreta que, encontrando quem a saiba detonar, se
torna, apesar de silenciosa, transbordante. A mão direita repousa sobre o
ventre; a esquerda, pousada nas costas de uma cadeira, segura um lenço branco.
Negro e branco. E tudo nela é contraste, conflito, contradição. Leva o lenço ao
rosto, enxuga uma lágrima irreprimida, dá uns passos em frente e sai, batendo a
porta com indisfarçado descuido.
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