quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Descrições fenomenológicas 5. O pântano

Romeo Mancini - Antibes (1950)

Assediada pela luz do crepúsculo, a noite desliza e entrega-se, inquieta, no alvoroço da aurora. Ouve-se o coaxar das rãs, um concerto romântico a fender a primeira luz do dia, pontuado pelo som aveludado e grave de um barítono sombrio, perdido naquele fim de mundo. Os choupos despidos pelo Inverno são fantasmas descarnados. Erguem-se como sombras esguias, numa ânsia de tocar o céu, arrepanhá-lo com os ramos finos, para prender, por um instante, as estrelas que se desvanecem no oceano de luz que se aproxima. Os pinheiros, aqueles que se misturam com os choupos, escondem ainda a sua cor, lembram desenhos de criança recortados do papel e colados na paisagem. Os outros, escondidos numa segunda linha, um exército secreto e ameaçador, são uma massa negra, onde a noite ainda demora, renitente, quase lacrimosa pela partida. Em metamorfose constante, maculado pelo combate entre a luz e as trevas, o céu cinde-se em mil cores. Tudo se desdobra, porém, na frieza vítrea e imóvel do pântano, como se a inverosimilhança deste lugar se desfizesse pelo exercício da duplicação, que o reflexo nas águas sempre oferece aos olhos atónitos do viajante matinal.

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