Romeo Mancini - Antibes (1950)
Assediada pela luz do crepúsculo, a noite desliza e entrega-se,
inquieta, no alvoroço da aurora. Ouve-se o coaxar das rãs, um concerto
romântico a fender a primeira luz do dia, pontuado pelo som aveludado e grave
de um barítono sombrio, perdido naquele fim de mundo. Os choupos despidos pelo
Inverno são fantasmas descarnados. Erguem-se como sombras esguias, numa ânsia
de tocar o céu, arrepanhá-lo com os ramos finos, para prender, por um instante,
as estrelas que se desvanecem no oceano de luz que se aproxima. Os pinheiros,
aqueles que se misturam com os choupos, escondem ainda a sua cor, lembram
desenhos de criança recortados do papel e colados na paisagem. Os outros,
escondidos numa segunda linha, um exército secreto e ameaçador, são uma massa
negra, onde a noite ainda demora, renitente, quase lacrimosa pela partida. Em
metamorfose constante, maculado pelo combate entre a luz e as trevas, o céu cinde-se
em mil cores. Tudo se desdobra, porém, na frieza vítrea e imóvel do pântano,
como se a inverosimilhança deste lugar se desfizesse pelo exercício da
duplicação, que o reflexo nas águas sempre oferece aos olhos atónitos do
viajante matinal.
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