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Marcel Duchamp, La partida de ajedrez, 1910 |
quarta-feira, 31 de maio de 2023
Cadernos do esquecimento 52 Prioridades
segunda-feira, 29 de maio de 2023
Comentários (8)
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Alberto Capmany, A Poesia, 1980 |
sábado, 27 de maio de 2023
Beatitudes (60) Véu da ignorância
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William Anckorn, Rêve d'Enfant, 1894 |
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Cardílio (24 sonetos) 15
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Anónimo romano, La primavera derramando flores (Strabies) |
Conto teus dedos um a um, pois
são
Sílica, pedra roxa, várzeas calmas
Abertas sobre a foz, onde um rio puro,
De água clara, por mim em fogo chama.
Vozes de pedra, casas de minério,
Silêncios de ambrósia do céu caem
Sobre o vendaval vindo da serra,
Sobre a luz da tua sombra solitária.
Deixa vir os relâmpagos, a lua
Fria e mineral. Cantem a luz árida
Das estrelas no sonho descobertas.
Se te toquei no ventre e um incêndio
Alastrou, então deixa que esta mão
Como uma parra em teu seio leve caia.
terça-feira, 23 de maio de 2023
Simulacros e simulações (50)
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Yoriyasu Masuda, Passado, presente e futuro. Clima, 1994-96 |
domingo, 21 de maio de 2023
Ensaio sobre a luz (102)
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Emil Nolde, Marisma con molino de viento, 1936 |
sexta-feira, 19 de maio de 2023
Semipresidencialismo?
Na verdade, encontramos na figura do Presidente da República um elemento desestabilizador da governação. Com Eanes, foram os governos de iniciativa presidencial e a criação de um partido – o PRD – com o seu patrocínio. Mário Soares dissolveu o parlamento enquanto havia uma maioria que poderia suportar um governo. No segundo mandato, agiu quase como chefe da oposição a Cavaco Silva e à maioria existente na Assembleia da República. Jorge Sampaio, talvez o Presidente menos tentado em intervir na governação, dissolveu a Assembleia da República, enquanto havia uma maioria capaz de suportar o governo. Cavaco Silva foi um problema para os governos de Sócrates e tentou limitar a formação do primeiro governo de António Costa. Marcelo Rebelo de Sousa, por seu turno, tem tentado imiscuir-se na área governativa e não se tem inibido de afirmar, como ameaça, que os seus poderes de dissolução da Assembleia estão intactos, apesar de existir uma maioria absoluta.
Os Presidentes
da República, quase sem excepção, têm tentado, contra as suas competências,
intervir na governação do país. A ideia de que os Presidentes são cooperadores
com os governos é uma ilusão. Se não são da sua área, assim que sentem força,
tentam desestabilizá-los, de modo mais ou menos sub-reptício, e preparar o
caminho para que os seus tomem as rédeas da governação. Todo o drama das
relações entre Costa e Marcelo se inscreve neste quadro. O actual Presidente
está em linha com a generalidades dos anteriores. Ora, tendo em conta a
experiência dos últimos quase cinquenta anos de semipresidencialismo, talvez
devesse equacionar-se uma mudança de regime em direcção a uma república
parlamentar, com um PR meramente cerimonial, e com um parlamento onde os
governos só pudessem ser derrubados através de uma moção de censura construtiva.
Temos já tempo suficiente de democracia para não temer o parlamentarismo.
quarta-feira, 17 de maio de 2023
Nocturnos 102
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Júlio Pomar, Cena na Praia, 1959 |
segunda-feira, 15 de maio de 2023
Cardílio (24 sonetos) 14
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Anónimo romano, Cabeça de uma bacante, bêbada e assustada, Vila dos Mistério (Pompeia) |
Sinto o vento no rosto e na mão
trago
Um trevo iluminado pelo sangue
Que do teu corpo ávido então cai,
Como um cão que cantasse em Setembro.
Que frio aroma férvido é o teu?
O perfume do azeite, o verde mênstruo
Em meu olhar se prende, flor de pétalas
Sôfregas ou roseira amarga e lúgubre.
Penumbra em que repousas a cabeça,
Véu de branda loucura, lua deserta
Onde escondo o fantasma que me habita.
Na treva dos teus passos, eu te sigo,
Cansado de sonhar deuses, esferas,
Sombras de vento ou cálices de pólen.
2007
sábado, 13 de maio de 2023
A persistência da memória (23)
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E. J. Brooking, Changing Pastures, 1906 |
quinta-feira, 11 de maio de 2023
Comentários (7)
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Maurice Denis, Paradise, 1912 |
terça-feira, 9 de maio de 2023
Simulacros e simulações (49)
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Imagem obtida com IA da CANVA |
domingo, 7 de maio de 2023
A crise
O que se está a passar na área da governação é um sintoma de um mal que atinge os fundamentos da vida política. A oposição à direita está na expectativa de novas eleições, o Presidente da República ameaça com o uso dos poderes para dissolver o parlamento, o presidente do Partido Socialista, ao falar da necessidade de uma remodelação ministerial, passou uma certidão de óbito à actual composição do governo. Independentemente do que vem aí, se uma remodelação do governo, se uma dissolução do parlamento, parece não haver capacidade para ultrapassar o que se passa à superfície e perceber o que, mais fundo, está a originar a crise.
Durante décadas, um populismo difuso cultivado pelos portugueses, secou em muitas pessoas o desejo de participar na vida política. Um discurso antipolítico, absolutamente destrutivo, mascarado de liberdade crítica, alimentou o afastamento de muita gente boa da vida política. As pessoas não se estão para se sujeitar à vociferação popular, para ver a sua vida arrastada pela praça pública, para serem vilipendiadas apenas porque pensam de uma determinada maneira. Isto já se manifestava no tempo em que não havia redes sociais. Com a vinda destas, tudo piorou. Como povo, conseguimos afastar os melhores.
Os partidos políticos, todavia, não são inocentes. Os da área da governação tornaram-se estâncias de incompetentes e videirinhos. Sem concorrência de gente competente e com sentido cívico, a vida partidária tornou-se uma árdua luta por lugares e prebendas, para a busca da miserável glória de ocupar lugares nas diversas instâncias do poder. Miserável, não porque o poder político seja algo de indigno, mas porque muitos dos que o ocupam não o fazem para servir o bem comum. Nem uma remodelação governativa, nem uma troca de opções ideológicas mudará alguma coisa. Só a cegueira ideológica achará que uma opção em volta do PSD será, em substância, diferente da actual.
Temo, na verdade, que não exista uma solução para o problema. O mais plausível é que, com remodelação ou novas eleições, tudo se continue a degradar. Os portugueses, alimentados por uma comunicação social partidarizada e pelo anonimato das redes sociais, insistirão numa cultura onde falta grandeza cívica e onde está ausente qualquer preocupação pela democracia e pelo Estado de direito. Os militantes partidários, cegos pelo desejo de serem alguém, continuarão as suas guerras do Arlequim e da Manjerona, com os seus dramas de faca e alguidar. Até que a ruína destrua o edifício democrático e se entregue o país a um aventureiro disposto a usar o chicote sobre os portugueses.
sexta-feira, 5 de maio de 2023
Cardílio (24 sonetos) 13
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Imagem obtida através de IA DALL.E 2 da OpenAI |
Quando os archotes ébrios, os
teus dedos,
Incendiaram na noite a branca
cólera,
Gritaste no silêncio
desvairado,
No tormento das horas esquecidas.
No teu jardim, as rosas enrugaram.
Os dias aos dias seguiram
imperfeitos,
Estátuas dum deus enlouquecido,
Preso em polida pedra
calcinada.
Não há mãos pelos seios, nem
alegria
No súbito cantar. Apenas mágoas
Te recolhem na fístula da
tarde.
Aí, na flâmula acesa,
transfigura-se
Em murmúrio a voz que em ti vacila,
Luz que a noite ao dia sempre
roubou.
2007
quinta-feira, 4 de maio de 2023
A fraqueza do discurso forte
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Imagem produzida por IA - CANVA |
Não fora conhecer o que a casa gasta, ter-me-ia espantado. Ouvi e vi o discurso do Presidente da República e ouvi uma série de comentários. Quem ouvisse os comentadores ficaria convencido de que o Presidente tinha trucidado António Costa, o governo, para além, claro, do ministro Galamba. Uns comentadores – e jornalistas – proclamavam um discurso forte, terrível. Outros abanavam a cabeça em assentimento. Não me espantei, porque descobri há muito que estas pessoas confundem a realidade com os seus desejos. Foi o discurso do Presidente um discurso de força?
Não. Foi um discurso de fraqueza. Lamentou, ralhou, ameaçou. Ora, quem tem força não ralha nem ameaça. Faz, age. Não protela. Responde na hora. Quem espera o momento oportuno, está calado. O discurso do Presidente foi o reconhecimento da posição de fraqueza a que se viu reduzido pela acção do Primeiro-Ministro, uma intervenção para salvar a face. Ora, se António Costa o fez perder a face foi por sua culpa, porque não soube gerir a palavra. Se estivesse calado acerca do ministro Galamba, este teria ido embora. Nenhum primeiro-ministro pode permitir o contínuo imiscuir, em jeito de comentário televisivo ou de ameaça, de um Presidente.
A fraqueza, porém, não fica por aqui. A ameaça de ser mais exigente com o governo é absurda. Será que até aqui não era exigente, não cumpria a sua função? Se sim, qual a diferença? Vai criar instabilidade? Os comentadores, a grande maioria afecta à direita, acham que António Costa vai ser cozinhado em lume brando. Há nesta ideia um equívoco. O Presidente há muito que, com sorrisos, papas e bolos, estava a cozinhar o Primeiro-Ministro em lume brando. A recusa de António Costa de demitir Galamba foi um salto para fora do caldeirão onde o Presidente o estava a cozer.
As coisas mudaram, mas não no sentido que os comentadores, mais ou menos entusiastas, afirmam. António Costa está mais forte. Marcelo Rebelo de Sousa mais fraco. A partir deste momento, António Costa tem a iniciativa. Isso não garante que não se afunde. Garante apenas que é responsável pelo destino do governo. Se as coisas correrem bem, será mérito dele. Se correrem mal, será culpa sua. Isso, porém, foi o que ele veio dizer aos portugueses. Que toda a responsabilidade pela governação assentava nos seus ombros. E isso é um discurso forte, não a arenga admoestadora do Presidente.
quarta-feira, 3 de maio de 2023
Ensaio sobre a luz (101)
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Emil Nolde, Light Sea-Mood, 1901 |
segunda-feira, 1 de maio de 2023
A caminho dos 50 anos
No dia 25 de Abril, Portugal entrou no quinquagésimo ano de regime democrático. A caminho de meio século, a democracia portuguesa está perante um conjunto de desafios que necessita de enfrentar para sobreviver. Alguns desses desafios são comuns às democracias liberais existentes. Desses, o perigo mais claro é aquele que os nacionais-populismos colocam. Seria um erro pensar que podemos estar de volta ao fascismo tradicional. É uma forma simples de pôr o problema. Genericamente, estes movimentos pretendem acentuar aspectos democráticos que as democracias liberais estão longe de aceitar como virtuosos. Há neles um desejo plebiscitário, pretendendo desvalorizar a representatividade popular, trocando-a pela voz directa do povo. É uma visão da democracia que sempre despertou justificados receios, uma espécie de antecâmara do terror.
Estes movimentos populistas pretendem, escudados no voto popular, apagar o carácter liberal da democracia e pôr em causa o Estado de direito. A ideia central não será acabar com eleições, mas restringir direitos, liberdades e garantias, alterar as regras do jogo democrático, de modo a que lhe seja sempre favorável. Fundamentalmente, miram pôr em causa a separação entre o poder político e o poder judicial, transformando os tribunais numa arma política contra os adversários e instrumento de realização de políticas meramente partidárias. Estes movimentos partilham uma característica que os aproxima dos partidos totalitários. Tentam uma mobilização contínua da população. A intervenção que fazem, irracional numa lógica democrática e liberal, pretende, a partir de qualquer pretexto, aquecer continuamente a rua e a indignação popular.
Durante boa
parte destes quase 50 anos, a memória da ditadura, da guerra colonial e do
atraso de Portugal, assim como as alterações sociais trazidas pela liberdade
política e pela adesão à União Europeia, têm servido como vacina contra o
autoritarismo. Neste momento, existem dois factos que fragilizam as
resistências da democracia liberal. Por um lado, a memória da ditadura está
praticamente ausente na maior parte da população. Por outro, a existência de
uma camada social muito frágil, incapaz de se integrar nas exigências da
economia global e de se adequar, se em idade activa, ao desenvolvimento trazido
pelas tecnologias de informação e comunicação e, agora, pela inteligência artificial.
Se os partidos democráticos insistirem em não enfrentar estes problemas, então
os cantos de sereia dos populistas, alicerçados na vozearia da mobilização
contínua da rua, abrirão caminho para uma democracia iliberal e o
autoritarismo.