sexta-feira, 7 de julho de 2023

O melhor regime e a obscuridade do fenómeno político


Os acontecimentos em França são mais um sinal de que a democracia liberal corre graves riscos na Europa. O que se tem passado será capitalizado pela extrema-direita. Por toda a Europa, mas não só, surgem nuvens negras que ameaçam as democracias. Em 1992, Francis Fukuyama publica The End of History and the Last Man. O fim da história não se refere ao fim dos conflitos políticos e das transformações sociais, como se propalou, mas ao facto de não conseguirmos perspectivar um regime político melhor. A democracia liberal, com a combinação de Estado de direito, liberdades individuais e prosperidade, seria o futuro para todos os povos. A interrogação filosófica sobre a natureza do melhor regime político – concluir-se-ia – estava definitivamente encerrada.

Talvez nos anos 90 do século passado e no início do novo milénio isso fosse uma evidência para a generalidade dos cidadãos dos países democráticos e para muitos que, noutros regimes, ansiavam por uma democracia liberal. Hoje aquilo que era uma evidência generalizada deixou de o ser. Não apenas cresceram, com apoio popular, novos regimes autoritários, como nos próprios países democráticos a evidência da superioridade das democracias liberais é cada vez menor. Largos sectores escolhem políticos e programas iliberais, a militância radical cresce e tem presença avassaladora nas redes sociais, exibindo uma agressividade retórica impensável ainda há pouco. A questão filosófica sobre o melhor regime, questão que animou o pensamento de Platão e Aristóteles, e que no final do século passado parecia resolvida, exige que se volte a ela.

O problema, todavia, não pode ser enfrentado com um retorno ao debate tal como ocorreu na Antiguidade, onde se questionava se o melhor regime era a monarquia, a aristocracia ou a democracia. Também não bastará modernizar a questão e discutir sobre se o melhor regime é a democracia liberal, a democracia iliberal, o regime autoritário, o regime totalitário, etc. Antes da questão do melhor regime, está uma bem mais radical sobre o que é esse campo da acção humana a que se dá o nome de “político”. Muitas vezes a discussão sobre o melhor regime assume que sabe o que é o “político”, mas este é, apesar da sua omnipresença, um fenómeno obscuro e difícil de captar na sua natureza. Sem o seu esclarecimento, qualquer tentativa de definição do melhor regime está condenada. Esse esclarecimento, por outro lado, ajudará a compreender as razões por que a evidência da superioridade das democracias liberais está a desaparecer e por que os seus defensores parecem perdidos.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.