Enquanto este quadro se restringe ao futebol, apesar de representar já uma ameaça à civilidade necessária, a situação não é dramática. O problema é que este quadro se tornou o modelo do debate político. Este visa, em última análise, discutir o que é o bem comum e o caminho para o realizar, avaliar se as políticas públicas são as mais adequadas. Ora, aquilo a que se tem assistido, cada vez com mais frequência, é a uma discussão, nos órgãos de comunicação social tradicionais e nas redes sociais, ao nível do futebol. Os actores políticos e comentaristas discutem a política com a mesma paixão com que se discute um jogo entre dois grandes rivais. As questões estão ao nível das que envolvem o futebol. O golo foi fora-de-jogo? Quantos penalties ficaram por marcar? E aquele que foi marcado foi mesmo penalty? A capacidade de análise racional das peripécias políticas é tão grande quanto a dos comentadores do futebol adeptos de um clube. Nula.
Este quadro
mental tem pelo menos duas consequências funestas. A primeira diz respeito ao
desaparecimento do debate público dos grandes problemas que afectam o país e as
pessoas. O que se discute são casos mais ou menos irrelevantes, mas nada relacionado
com aquilo que é fundamental. A política fica reduzida a episódios que são
comentados com exaltação e irracionalidade, como se fossem decisivos, tal como
um penalty por marcar. A segunda diz respeito às regras da convivência civilizada
entre projectos políticos concorrentes. A exaltação futebolística transportada
para a vida política exacerba rivalidades e dá passos decisivos para
transformar adversários políticos, que confrontam projectos, em inimigos,
arrastando o país para uma lógica política interna marcada pela polarização
amigo/inimigo. Este caminho é o pior possível. Não resolve nenhum problema e,
em última instância, conduz uma comunidade para as portas da guerra civil.
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