Crentes e descrentes, ou nem uma coisa nem outra, quase todos, no Ocidente, dão importância ao Natal, muitas vezes sob a capa de festa de família, momento de reunião daqueles que os afazeres da vida ou as disposições do ânimo mantêm afastados durante o ano. A democratização do espírito mercantil da época tem um efeito de ocultação de algumas ideias fundamentais que subjazem ao Natal. A mercantilização da quadra é o dispositivo pelo qual o espírito mundano esconde o que parece ser o essencial do período natalício – um essencial que se dirige a todos os homens, mas que estes têm dificuldade em acomodar.
Antes de tudo, surge a decepção das expectativas humanas. No nosso quadro mental, um Salvador aparece como uma figura de poder e de riqueza. Contudo, aquilo que o Cristianismo sublinha é o contrário: a figura central apresenta-se despida de todos os poderes e de todas as riquezas deste mundo. Ora, se Ele é a figura arquetípica dos cristãos – melhor, de toda a humanidade –, então estes devem conformar-se com esta renúncia àquilo que, em geral, mais estimam e pelo qual estão dispostos às maiores atrocidades. É uma decepção que o actual espírito natalício faz por esquecer.
Concomitante a esta decepção está o quadro ético proposto pelo nascimento simples e humilde do redentor da humanidade. Gostamos de cultivar a complexidade, que imaginamos ser símbolo da nossa riqueza material ou espiritual, e a afirmação de nós próprios, uma forma benévola de descrever a nossa arrogância. O espírito natalício, se fiel ao acontecimento do presépio de Belém, é também uma ferida narcísica aberta na imagem que cultivamos de nós mesmos.
Uma característica da mensagem presente no nascimento de Cristo parece alinhar-se com os nossos desejos: a esperança. Contudo, também aqui nos confrontamos com um motivo de desencanto, pelo esforço e pela coragem que exige. O Natal significa, na economia da religião cristã, esperança, mas o objecto dessa esperança, ao contrariar as nossas inclinações naturais e ao exigir de nós a capacidade de sacrifício, tende a conduzir-nos ao desespero ou, mais frequentemente, à indiferença.
As exigências colocadas pelo Cristianismo e os imperativos que, subliminarmente, o espírito de Belém traz consigo são de tal modo incomensuráveis à natureza humana que homens e mulheres sentem, ao mesmo tempo, atracção e repulsa. A atracção reside no facto de não terem apagado o acontecimento da memória e de o continuarem a comemorar. A repulsa manifesta-se na forma como o fazem: numa inversão radical do espírito que se revelou no presépio de Belém. Somos humanos, demasiado humanos. Um bom Natal.
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