Quais os valores centrais do Iluminismo? Em primeiro lugar, a ideia de que a razão humana é o motor do progresso. Só ela permite compreender o mundo e transformá-lo. Em segundo lugar, a ciência e a técnica, frutos dessa razão, como motores das transformações sociais que permitem aos homens viver uma vida cada vez melhor. Em terceiro lugar, a ideia de que a sociedade e as instituições políticas podem ser reformadas e melhoradas, tornando-se cada vez mais democráticas. A eleição do futuro presidente dos EUA assentou, em parte, em grupos que negam a ideia de progresso e não aceitam a razão como guia da acção humana. Também a ciência é questionada por muitos apoiantes de Trump, simbolizados, por exemplo, pelo futuro Secretário para a Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy, um céptico em relação às vacinas. Por fim, o ideal de contínua democratização da sociedade sofreu uma derrota significativa, com a eleição de um presidente pouco preocupado com os direitos das mulheres e das minorias.
Este ataque aos
ideais iluministas é o acontecimento simbólico do ano. Mostra que uma parte
importante da humanidade – aquela que tinha adoptado esses ideais como a sua
bússola existencial – os está a rejeitar, trocando a razão pela fantasia e o
mito, a ciência pela opinião sem fundamento e a reforma democratizante da
sociedade e das instituições pelo desejo de instituições mais opacas, fundadas
na discriminação e sem pendor democrático. Estamos a assistir a um poderoso
desafio aos grandes ideais que nortearam o mundo ocidental após as revoluções
americana e francesa. Esse desafio não começou com Trump e não existe apenas
nos EUA, como se pode ver na ascensão dos populismos europeus. É, contudo, um
grande acontecimento, independentemente das suas consequências. Nos próximos
anos, os valores iluministas vão estar sob grande pressão. Resta saber se têm
poder de atracção suficiente para mobilizar os cidadãos em sua defesa.
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