domingo, 9 de setembro de 2012

Da felicidade e da igualdade

Max Klinger - Felicidad

Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.  (Lev Tolstoi, Anna Karénina)

Esta é a frase de abertura do romance de Tolstoi. Talvez ela explique - melhor do que muitos tratados de sociologia, economia ou filosofia - a persistência, na humanidade, de certos anseios, os quais se traduzem em atitudes sociais. A felicidade assemelha, torna igual, enquanto a infelicidade diferencia. Por isso, as utopias sociais, como as derivadas do marxismo, que nasceram no século XIX e se prolongaram no século XX, associaram o estado de felicidade geral da humanidade à igualdade social. Esta ideia não foi uma invenção dos marxistas, mas parece estar inscrita no coração da humanidade. Não apenas a felicidade assemelha, como o assemelhar é uma condição da felicidade.

No entanto, a experiência geral da humanidade é também a dos estados de infelicidade. Ser infeliz não é um estado específico contrário ao ser feliz, mas uma limitação da felicidade, a ausência de certo tipo de coisas. Aquilo que limita a nossa possibilidade de sermos felizes é diferente de família para família ou, num tempo mais egoísta, de indivíduo para indivíduo. Daí o nascimento da diferenciação e da hierarquia social. Assim, o insight de Tolstoi permite perceber, para além das explicações do poder e da dominação, a hierarquia social. Esta resulta da experiência da infelicidade. É a infelicidade que desagrega a comunhão dos seres felizes e os distribui por uma escala sonora, digamos assim, com diferentes comprimentos de onda. 

Perante a limitação humana, a qual nos conduz sempre a uma qualquer forma de ser infeliz, os estamentos sociais, as famílias, os indivíduos diferenciam-se, e aqueles que ocupam os lugares menos infelizes na escala social tornam-se extraordinariamente avaros da sua infelicidade. Partilhá-la seria aumentá-la, pensam. Por isso, defendem tenazmente a desigualdade entre os homens, fundando-a na natureza, no mérito pessoal ou noutra coisa qualquer. Na verdade, tudo se resume ao medo de ser ainda mais infeliz. Isso, porém, não apaga, no coração dos mais infelizes, o sentimento de que a felicidade pressupõe a igualdade. Em linguagem teológica, seria a comunhão dos santos; em linguagem kantiana, o reino dos fins; em linguagem marxista, a sociedade sem classe. Enquanto o homem existir, o conflito entre a aspiração à felicidade geral e o medo do aumento da infelicidade não terá fim.

2 comentários:

  1. Disse Jorge Luis Borges, que o pior pecado que podemos cometer é não ser felizes.
    De facto, tem de ser infeliz, quem peca por pouco ou nada fazer pela "igualdade" entre os homens.
    Abraço

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    1. O homem é um tronco retorcido, como diria o Kant. Para mim já não seria mau que a humanidade equilibrasse a pulsão egoísta com a pulsão solidária.

      Abraço

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