A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Vale a pena comparar as manifestações de passado sábado com as que
ocorreram no 1.º de Maio de 1974. Em Maio de 1974, as pessoas manifestaram a
esperança de que lhes fosse dado um início limpo e puro. Em Setembro de 2012,
as pessoas manifestaram o desespero final, a descrença nas elites políticos e
um cansaço sem fim. Da ilusão à decepção. Como em Maio de 1974, nas
manifestações de sábado estiveram pessoas sem grandes compromissos políticos,
pessoas de vários estratos sociais, esteve um povo que, na generalidade, não é
militante político ou sindical.
Nos 38 anos que decorrem entre estes dois acontecimentos, os
portugueses entregaram o seu destino à classe política, fundamentalmente à troika PP/PSD/PS. Avaliaram esses
partidos como politicamente moderados e ansiaram que fossem justos e
competentes. Desde muito cedo, porém, que o sentido de justiça se corrompeu e a
competência técnica e política foi escasseando. Hoje (e hoje não se refere
apenas ao actual governo) somos governados por gente que há décadas atrás nem
para motorista do governo serviria. Gente que não estudou, gente que, se
estudou, não conhece o país e a realidade nacional, gente irresponsável,
habituada apenas aos truques das juventudes partidárias ou aos jogos
florentinos das universidades. Foi contra esta gente que centenas de milhares
de pessoas se manifestaram.
Como a manifestação do 1.º de Maio de 1974, também estas correm o
sério risco de não serem mais do que um happening,
que termina no momento em que toda a gente retorna a casa. Se isso for assim,
38 anos de experiência democrática não nos serviram para nada. Hoje em dia, a
questão não é já exigir governantes mais justos, competentes e menos corruptos.
Trata-se, pura e simplesmente, de limitar o poder dos governantes – nacionais
ou locais e sejam de que cor forem – retirar-lhes através da lei o conjunto de
discricionariedades que possuem,
restringir-lhes o arbítrio quando governam.
O problema reside no poder excessivo de governantes e autarcas. Esse
poder só será circunscrito de forma razoável se os cidadãos perceberem que a
sua função não é legitimar, pelo voto, quem governa mas fiscalizar, criticar e
exigir que a classe política seja frugal nos seus apetites, transparente nos
seus actos e que responda, efectivamente e de forma ampla, perante a lei pela sua
acção. Salvar a democracia implica que desconfiemos absolutamente dos partidos
e das pessoas em quem votamos. Só assim, as manifestações de sábado passado não
terão sido um mero happening e
poderão contribuir para salvar a democracia.
Boa tarde,
ResponderEliminarCompreendo o libelo anti-partidos, não obstante considerar que a sua (deles) ausência pode ser perversa.
Aliás, em matéria de partidos e de políticos, em 1974 manifestámo-nos para festejar o fim do "pecado por defeito" e agora para condenar "os pecados por excessos".
bfs
Não se trata de um libelo anti-partidos. Não concebo a democracia sem partidos políticos, trata-se antes de limitar o exercício do poder, através da iniciativa dos cidadãos. Os cidadãos devem-se constituir como consciência moral e crítica do exercício do poder, seja por quem for. Devem participar e encontrar plataformas que lhe permitam intervir no mecanismo geral do exercício do poder. Um exemplo: teria sentido uma iniciativa cívica que conduzisse a um referendo sobre a possibilidade dos eleitos se rodearem de assessores partidários não eleitos. Por que não recorrer, para assessorar os governantes, aos quadros da função pública que deveriam lealdade ao governo eleito sob pena de despedimento? Isso impediria que em cada nova eleição o estado se enchesse de boys and girls da mais profunda incompetência, mas pagos, comparado com o cidadão normal ou mesmo o quadro da função pública, principescamente. Nada contra os partidos, mas obrigá-los à frugalidade e ao respeito pelo bem comum.
EliminarAbraço
Os partidos políticos portugueses são o que são, daí que eu tenha comentado que "compreendia o libelo".
ResponderEliminarQuanto ao exercício da cidadania 'a latere' deles, partidos, seria uma boa solução se os cidadãos não fossem o que são.
Estou a lembrar-me daquele general(?) romano que falava de um povo que não governa nem se deixa governar.
Tem toda a razão a incompetência faz parte do nosso património histórico, é um atavismo e um fatalismo.
Abraço
Talvez os portugueses, agora em liberdade, estejam aprender que têm de tomar decisões por si mesmos e essas decisões passam por esse exercício cívico "a latere" dos partidos. Mas é muito provável que isto seja apenas o resultado da minha deformação profissional, essa esperança de que o aluno vai acordar e aprender.
EliminarAbraço