quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A arte da soldadura

Amadeo de Souza Cardoso - Crime abismo azul, remorso físico (1915)

O maior dos crimes é o que nos cabe em sorte, essa desesperada tentativa, nunca cumprida e nunca abandonada, de soldar o abismo que há entre nós e a vida. A desmesura desta e a sua insensatez esmagam-nos e põem-nos à distância, como animais desconfiados. A pobre consciência dispara então imperativos sobre a vontade, como se fosse possível um dia a partícula coincidir com o todo. Somos brotos deformados, frutos dessa ânsia de coincidência com a desmesura e a insensatez. O outro limitava-se a sentir em vez de pensar, mas nem isso deixa de ser já um atentado. Em cada sensação, na sua aparente completude e imediatez, ressoa uma distância, um buraco, o primeiro sinal da incomensurável distância que há entre aquele que sente e a vida. Cada sensação é já um abismo que reclama a criminosa arte da soldadura.

2 comentários:

  1. Talvez por isso, quando diante desse abismo decidimos dar um passo em frente, não é a vida que encontramos, mas sim o seu fim.

    Abraço

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    1. Talvz toda a sabedoria esteja em não importarmos com essa desmesura e aceitar o estatuto de partícula mergulhada no oceano.

      Abraço

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